Folha de S. Paulo


'Não tenho raiva, mas pena dele', diz juíza feita refém em fórum de SP

Um isqueiro ligado e pronto. A história da juíza Tatiana Moreira Lima, 37, seria trágica: o fogo tomaria conta de seu corpo, o que acarretaria muitas sequelas físicas e pouca chance de sobrevivência.

Uma das responsáveis pela Vara de Violência Doméstica, do Fórum Regional do Butantã, na zona oeste da capital paulista, a magistrada teve seu corpo banhado por gasolina e diesel e foi feita refém em seu próprio gabinete por um suspeito que tem um processo analisado por ela.

Salva por um tenente da Polícia Militar em um tenso processo de negociação, a magistrada resolveu neste domingo (3) recontar o que viveu naquele 30 de março, última quarta-feira.

Em entrevista ao "Fantástico", da Rede Globo, ela disse não ter rancor de seu agressor. "Não tenho raiva, mas pena. Eu fui vítima de violência da mesma forma que as mulheres que me procuram são."

Vídeo gravado por policiais mostra a juíza como refém

Vídeo gravado por policiais mostra a juíza como refém

Segundo as investigações da polícia, o suspeito Alfredo José dos Santos, 36, invadiu as dependências do fórum pela saída -o que o impediu de ser revistado.

Ele portava uma bolsa com explosivos e produtos inflamáveis. No percurso até a sala de Tatiana, ele derramou líquido inflamável e ateou fogo no prédio. Um segurança do fórum chegou a atirar contra ele, mas o tiro não acertou.

Já na sala da magistrada, Alfredo imobilizou a vítima pelo pescoço, jogou produtos inflamáveis sobre si e no corpo de Tatiana e a forçou a dizer que ele era inocente. A todo o momento, ele ameaçava acionar um isqueiro com intenção de queimar a juíza.

"Ele me segurava forte e me esfregava naquilo [líquido inflamável]. E ele dizia sempre: eu vim para matar ou para morrer", disse a juíza em entrevista.

Taba Benedicto/Folhapress
Fórum do Butantã, na zona oeste de SP, onde um homem invadiu e manteve uma juíza como refém
Fórum do Butantã, na zona oeste de SP, onde um homem invadiu e manteve uma juíza como refém

RETALIAÇÃO

Ainda de acordo com a polícia, o suspeito, que fez curso técnico de química, usava um capacete militar com a inscrição "inocente". Sua roupa tinha dizeres como "fraude processual" escritos à mão.

Santos estava no fórum para participar de uma audiência que analisaria uma agressão que ele teria cometido contra a mulher dele, em 2013.

"Ele me confundiu com outra magistrada. Ele estava ali para passar por uma audiência do processo e não para perder a guarda do filho", destacou a magistrada. Santos também disputa na Justiça a guarda do filho, de seis anos.

Tatiana destacou que as marcas da humilhação que viveu ficaram apenas em seu corpo e que não vai parar de trabalhar.

"Fiquei fragilizada no dia, mas isso só me deu mais força para continuar. Volto fortalecida", afirmou ela.

Sobre a segurança do fórum, ela não soube precisar se houve falhas. O Tribunal de Justiça de São Paulo informou, por meio de nota, que vai investigar as circunstâncias da invasão e reforçará a segurança do prédio.

A magistrada é casada, tem dois filhos e atua na função há nove anos.

Funcionário de uma confeitaria, Santos tem passagens pela polícia por crimes de menor potencial ofensivo.

Preso, ele responderá na Justiça pelos crimes de tentativa de assassinato, explosão e resistência à prisão. Somados, os crimes podem levar a uma pena de até 20 anos de reclusão.


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