Folha de S. Paulo


ricardo telles, 34

Policial usou cobertor para salvar juíza de agressor em fórum de SP

RESUMO Há nove anos na Polícia Militar, o tenente Ricardo Luís Telles de Abreu e Silva, 34, agiu rápido para evitar o pior: ele conteve Alfredo José dos Santos, que mantinha refém a juíza Tatiane Moreira Lima no Fórum Regional do Butantã, na última quarta (30). Alfredo ameaçava colocar fogo na juíza, da Vara de Violência Doméstica. Único policial na família, Telles disse não se sentir herói –e narra como se deu a ação.

Eduardo Knapp/Folhapress
Tenente Ricardo Luis Telles,34, do 23o Batalhao da PM, quem comandou a operacao que salvou juiza Tatiane mantida como refem
Tenente Ricardo Telles,34, que conteve agressor de juíza

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A ação toda aconteceu em menos de 20 minutos. Eu estava no carro da PM em direção ao metrô Butantã, prestes a assumir o serviço. Tomo conta do policiamento na região da USP (zona oeste). Aí, um popular [transeunte] me abordou dizendo que tinha ouvido tiro no fórum [Regional do Butantã], a uns cem metros. Parei no local e pedi apoio, porque não sabia o que estava acontecendo.

Quando entrei, fazia uns dois ou três minutos que tudo havia começado. Vi muitos funcionários no hall principal, e o indivíduo tinha tentado colocar fogo na escada. O fogo foi combatido, mas tinha ainda estilhaços de vidro e combustível no chão.

Subi dois lances da escada, sozinho, e cheguei à sala onde a juíza estava. Havia um policial do fórum na porta falando com o agressor, que estava ajoelhado nela. Ela estava chorando, desesperada e machucada no braço. Cheguei, me apresentei. Ele questionou a razão de eu estar armado; achou que ia matá-lo.

IRREDUTÍVEL

Então tirei o revólver, dei a um outro policial e ele começou a falar. Mas estava irredutível, com um isqueiro na mão e ameaçava a juíza. "Vou pôr fogo na senhora." Coagida por ele, ela dizia que o sequestrador era inocente. Num primeiro momento acionei o Gate [grupo de ações táticas especiais da PM], porque era uma situação grave.

Enquanto eles não chegavam, por ter sido o primeiro oficial a ter chegado ali, fiquei como o gerente de crise. Tentei tranquilizar o agressor, ouvi-lo, mais do que falar, para evitar o estresse dele. Ele dizia que queria a presença da imprensa para mostrar, ele disse, que a juíza era culpada dos problemas dele.

A juíza estava com o corpo embebido no que parecia ser gasolina; depois descobri ser gasolina e diesel, que deixou o chão preto. O cheiro era forte e o ambiente, confinado; tinha risco grande.

Ele estava muito nervoso e chegou a ficar duas vezes com o isqueiro encostado na gasolina, ameaçando acioná-lo. Tinha 1,75 m, obeso, e ficava sobre ela. Aí, ele começou a filmar a juíza obrigando-a a falar que ele era inocente.

Homem invade fórum em SP

Aos poucos, notei que ele estava se distraindo, olhando dois policiais na porta, e comecei a me aproximar. Estava a 2,5 metros dele e me sentei na beirada de um sofá, a um metro e meio dele. Deixei as mãos à vista para não o estressar mais.

Havia muito vidro perto da juíza. Era uma garrafa de coquetel molotov que ele tinha quebrado e os estilhaços ficaram ali. Falei: vamos tirar esses pedaços de vidro, e ele foi tirando, ela também. Tentamos prolongar a negociação e esperar o Gate, mas não havia tempo. A situação estava ficando difícil.

Percebi então que tinha um cobertor dobrado sobre o sofá. Pensei: se o agressor ateasse fogo a ela, eu iria cobri-la com o cobertor.

COBERTOR

Aí, a juíza disse que estava com frio. Perguntei: posso jogar o cobertor? Nessa, ele falou que podia e joguei em direção à poça de combustível, não direto na mão dele.

Enxerguei ali uma oportunidade. De propósito, escolhi a mão direita, em que estava o isqueiro. Foi um insight na hora. Para pegar o cobertor, ele teria que trocar o isqueiro de mão. Eu estava preparado para ele se distrair –quando olhou para o cobertor, pulei e segurei a mão dele e dei uma pequena torcida.

Vídeo gravado por policiais mostra a juíza como refém

'SOU INOCENTE'

Então, os outros policiais entraram –um retirou a juíza e outros foram com o extintor, porque havia risco de incêndio, e ajudaram a contê-lo. Ele mostrou um pouco de resistência, mas não se debateu. Ficou dizendo "sou inocente, sou inocente".

Não cheguei a falar com a juíza e ela também não falou conosco. Não consigo lembrar do rosto dela. O foco é o agressor, ele é o gerador de crise da situação. Houve uma boa coordenação com a equipe, mesmo não tendo combinado nada. Os policiais já tinham tido a ideia de entrar com extintor, mas, como eu estava concentrado no agressor, não vi.

Foi a terceira negociação de que participei, todas, graças a Deus, com sucesso. Dessa vez o indivíduo dizia "sou inocente, essa juíza desgraçou a minha vida." Eu, na verdade, soube pouco do caso.

Depois de tudo, minha noiva me mandou mensagem: "Te vi na televisão. Você tá bem?". Na hora não pensei nela ou na família; pensei depois –é um momento em que você está muito concentrado em resolver aquela situação.

Olhando para trás, não pensei num primeiro momento que o final fosse ser esse, mas durante a conversa fui analisando o cenário.

DEVER CUMPRIDO

Não me sinto herói. É uma sensação de dever cumprido. Fiquei satisfeito pelo resultado, em que ninguém se machucou, nem vítima nem agressor. Esse é o objetivo. Depois, o pessoal me elogiou, mas a gente toca a vida...

O parabéns não serve só a mim. Foi uma equipe. Havia outros policiais envolvidos, como o tenente Eduardo César da Silva, aspirante a oficial Lucas Seleghim, cabo Fábio Antônio e soldados Gerson Pires e Natália Zonaro.

Nossa profissão é gratificante por isso, sempre ajudar sem querer nada em troca. Depois de tudo, socorremos o indivíduo, levamos ele para o pronto-socorro, depois para o hospital psiquiátrico. Saí quase meia-noite. Dormi no quartel aquele dia, porque tinha outras coisas para fazer na manhã seguinte. A adrenalina baixou rápido.


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