Folha de S. Paulo


Fim do bônus e sobretaxa da Sabesp é inoportuno, diz entidade

O fim dos programas de bônus e de sobretaxa nas contas da Sabesp logo após os dois verões mais secos da história de São Paulo é inoportuno. Essa é a tese defendida pelo gerente técnico do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e membro da Aliança pela Água (um coletivo de entidades voltadas à questão da água em São Paulo), Carlos Tadeu de Oliveira.

Nesta sexta-feira (1), a agência paulista reguladora de saneamento autorizou o fim da sobretaxa que pune quem consuma mais água.

Para Oliveira, não há garantias suficientes de que a crise hídrica tenha sido resolvida. Por isso, não se justifica o fim dos dois programas de incentivo financeiro para redução de consumo de água.

"Se é verdade, como o governo estadual disse que há uma imprevisibilidade acerca das questões climáticas e não há nenhum anúncio divino sobre o fim dessa característica, não faz sentido o fim [do bônus e da sobretaxa]".

Oliveira argumenta que os reservatórios atualmente estão em situação melhor do que na mesma data em 2014 e 2015, mas ainda seguem abaixo da média e abaixo dos níveis antes da crise. Nesta sexta, os reservatórios da Grande São Paulo estão 20% abaixo da média para a data.

"O fato de termos tido apenas uma boa estação chuvosa não nos dá a segurança necessária. Não é o momento de voltar a operar como antes da crise", diz.

"Não sei a certeza que eles [Sabesp e gestão Alckmin] têm agora de que, daqui a dois anos, não estaremos em uma nova crise", argumenta.

NOVA CULTURA DE CONSUMO

Segundo Oliveira, é necessário implantar em São Paulo estruturas que incentivem a redução duradoura de consumo de água. Segundo ele, uma saída é a revisão da estrutura tarifária da Sabesp.

"Se a gente já tivesse uma estrutura tarifária justa, não seria nenhuma aberração ter uma sobretaxa somente em épocas de crise. Mas essa estrutura tarifária que incentiva a economia não existe hoje".

Entre as críticas à estrutura tarifária, Oliveira aponta a existência da tarifa mínima de consumo da Sabesp que envolve em uma tarifa todos aqueles que consumam até 10 mil litros de água por mês. Na prática, alguém que consome apenas 3 mil litros por mês paga o mesmo que alguém que consuma 10 mil litros.

Outra crítica feita por Oliveira é a permanência dos contratos de fornecimento a grandes consumidores. Os contratos oferecem tarifas mais baratas pelo litro quanto maior for o volume de água consumido.

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

A crise da água acabou, como disse o governador?
Se comparada a do ano passado, sim, a situação está bem melhor. Mas moradores da periferia ainda sofrem com os cortes no fornecimento de água, principalmente nos períodos da noite e da madrugada. No auge da crise, o racionamento deixava algumas residências de 15 horas a 20 horas por dia com as torneiras secas. Agora a queixa é mais restrita.

Qual foi o ponto mais crítico da seca?
No fim de janeiro de 2015, o sistema Cantareira, principal reservatório da Grande São Paulo, operava com apenas 5% de sua capacidade. Isso já contando com duas porções de seu volume morto, que é a água do fundo das represas que nunca havia sido captada antes. Naquele mês, já se falava em buscar a terceira e até a quarta porções do volume morto do sistema de represas.

Meses antes, o diretor Metropolitano da empresa havia dito em uma reunião fechada que, se a chuva não chegasse, ele não saberia como fornecer água a São Paulo. Chegou a cogitar a hipótese de evacuar parte da cidade.

O então recém-empossado presidente da empresa, Jerson Kelman, dizia que aumentaria o período em que a periferia de São Paulo ficava sem águas em suas torneiras. Tudo para que a cidade pudesse atravessar o que ele chamava de "deserto em 2015", já que o ano apontava ser pior do que o anterior.

A empresa começou a traçar um plano para atuar diante do colapso do fornecimento da água em São Paulo. Nessa situação, só seria capaz de entregar água para alguns hospitais, clínicas de hemodiálise e presídios.

Retirada de água do Cantareira

O que fez a situação da água melhorar?
Um conjunto de fatores. Por parte do governo, houve uma maior integração das tubulações que permitiram flexibilizar a entrega de água dentro da Grande São Paulo. Com isso, passou a ser possível, por exemplo, levar água da cheia Guarapiranga para bairros que tradicionalmente eram atendidos pelo sistema Cantareira, que esteve à beira de um colapso. Por parte da população, houve uma forte redução do consumo de água. No ponto mais crítico da estiagem, cerca de 90% da população reduziu seu consumo, muitas vezes incentivadas pelos programas de bônus e pela sobretaxa.

Outro fator determinante foi a volta do regime de chuvas, conforme o esperado. São Paulo passou dois anos com volumes de chuva extremamente baixos, em que o volume de água que entrou no Cantareira, por exemplo, foi 80% menor do que o previsto. Nos últimos seis meses, o Cantareira recebeu chuvas perto da média.

Alckmin merece novos prêmios pela gestão da crise?
A população e especialistas dizem que não. Durante o auge da crise faltou transparência ao governo do PSDB. Alckmin sempre minimizou a gravidade da crise e nunca admitiu que a Grande SP esteve sob um forte "racionamento" –preferia o eufemismo da "redução da pressão" nas tubulações, o que, na prática, é a mesma coisa. Durante a campanha eleitoral de 2014, quando era candidato à reeleição, adiou a implantação da sobretaxa na conta dos "gastões" de água. Em um debate eleitoral na televisão, chegou a dizer que não faltava água em São Paulo, contrariando a experiência diária de milhares de pessoas, principalmente na periferia da região metropolitana. Pesquisa Datafolha, em outubro, mostrou que apenas 15% dos paulistanos consideravam a gestão tucana da água como ótima e boa.

Infográfico: Reservatórios da Grande SP

Estamos preparados para uma nova seca?
Caso a próxima seca seja tão rigorosa quanto a última, a população de São Paulo deverá sofrer novamente. Mas segundo a Sabesp e o governo do Estado, as condições de operação e de distribuição da água na cidade estão melhores do que antes da crise.

De qualquer forma, caso ocorra uma seca ainda mais rigorosa, São Paulo poderá ter mais problemas já que questões estruturais ainda não foram enfrentadas como um programa de individualização de hidrômetros em condomínios, incentivo à água de reuso etc.


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