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Com dengue, gripe pode sobrecarregar saúde, diz diretor de ministério

Evaristo Sá/AFP
Cláudio Maierovitch, diretor do departamento de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde, durante entrevista
Cláudio Maierovitch, diretor do departamento de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde

O aumento de casos da gripe H1N1 em período atípico e em meio ao avanço de dengue, zika e chikungunya ainda não é um fenômeno nacional e tem dimensão imprevisível. A tendência, porém, é sobrecarregar os serviços de saúde, afirma Cláudio Maierovitch, diretor do departamento de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde.

"Não adianta vendermos uma tranquilidade que não é verdadeira. Estamos todos preocupados com a quantidade de doenças transmissíveis ao mesmo tempo. A que mais provoca mortes é a gripe." De acordo com ele, a pasta está "em plena preparação para uma gravidade maior".

Maierovitch diz que, além de São Paulo, é possível perceber um aumento de casos de H1N1 em Goiás e Santa Catarina, mas que nos outros Estados eles ainda são isolados. Confira trechos da entrevista.

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Folha - Como o ministério vê o avanço da gripe H1N1?

Cláudio Maierovitch - Estamos vivendo um aumento de casos. É atípico que já comecem nesta fase do ano. A questão é que não existe medida de saúde pública capaz de impedir a circulação dos vírus de gripe. A vacinação serve para reduzir a proporção de casos graves e óbitos entre as pessoas que têm maior risco de gravidade. Ela não é capaz de reduzir a circulação do vírus, mas de proteger pessoas de maior risco, como gestantes e idosos. Temos medidas de proteção: orientar que as pessoas cubram a boca o nariz quando espirram ou tossem, e que lavem as mãos com muita frequência. Pessoas doentes não devem tocar em outras pessoas, nem serem tocadas por outros, porque é difícil imaginar que o vírus fica restrito à região do rosto. E quando estão doentes devem se afastar de outras atividades que envolvem contato com outras pessoas. Ter algum nível de restrição do contato interpessoal pode servir para reduzir a velocidade de transmissão. Isso não vai impedir a circulação do vírus, mas pode fazer com que ele circule mais lentamente.

O que pode explicar esse aumento de casos fora de época?

De verdade: não sabemos. Algumas pessoas têm falado que foi uma época em que as pessoas viajaram ao hemisfério Norte e trouxeram vírus de lá. Mas isso ocorre todo ano, o tempo todo. Sabemos, por experiências anteriores, que os anos em que o vírus começa a circular mais cedo tendem a ser mais preocupantes do ponto de vista do comportamento epidêmico.

Qual é a expectativa do Ministério da Saúde? A situação pode ficar mais grave?

Estamos em plena preparação para uma gravidade maior. Isso pode acontecer.

Podemos qualificar isso como uma nova epidemia?

Todo ano temos epidemia de gripe. Podemos falar em três perguntas: quando começa, qual a intensidade e qual vírus que predomina. Neste ano, sabemos que começou mais cedo, e sabemos que até o momento tem predominado o H1N1. Difícil ter uma previsão, mas essas duas coisas juntas aconteceram em 2012 e 2013 e nos deram muita dor de cabeça.

Nós tivemos uma boa resposta naqueles dois anos, porque ficamos muito preocupados que o tratamento não iniciasse no tempo adequado. Estamos trabalhando nisso também neste ano para que os profissionais de saúde estejam em alerta quanto ao momento de se iniciar o tratamento com o antiviral, a qualquer sinal de falta de ar. Esse é o grande sinal de agravamento da doença.

A situação que temos agora indica aumento de casos de SRAG (Síndrome Aguda Respiratória Grave). Houve outro momento semelhante?

Não faz muito tempo, infelizmente. 2015 foi um ano excepcionalmente calmo, que não deve servir como comparador, talvez porque não teve muito inverno. 2014 também. 2013 foi um ano do qual estamos nos lembrando agora, de circulação intensa do vírus na região Sudeste. 2012 também deu trabalho, mas principalmente na região Sul, em Estados menos populosos que São Paulo. Ainda não sabemos como vai ser o comportamento neste ano.

Boletim traz notificações em 11 Estados. A abrangência é maior neste ano?

Ainda não podemos falar nisso, porque todos os anos temos isolamento de vírus em praticamente todos os Estados. O que preocupa não é o fato de ter o vírus ou um óbito causado pela gripe. Isso temos todos os anos. Durante muito tempo ainda teremos gente morrendo por gripe todos os anos. A questão é observarmos um aumento na quantidade de casos. Por enquanto observamos que no Estado de São Paulo está havendo aumento. Temos indícios de que em Goiás e Santa Catarina há algum aumento também. Não podemos fazer essa afirmação ainda em relação a outros Estados. Não temos esse indicativo [de epidemia em vários locais], e espero que não tenhamos.

Estamos num período com várias epidemias e surtos. Essa situação atual pode fazer com que se perca a atenção em relação aos casos de zika, dengue e chikungunya?

Estamos num ano intenso em vários sentidos. Parece que a política está se manifestando também nos vírus. Nós estamos acostumados todo ano a ter uma epidemia de verão e uma de inverno. A de verão é de dengue, e a de inverno é de gripe. No momento em que as coisas se sobrepõem, existe a tendência de que os serviços de saúde fiquem sobrecarregados.

Isso exige um esforço a mais que já vinha sendo exigido em função da entrada desses novos vírus, que são zika e chikungunya. Não adianta vendermos uma tranquilidade que não é verdadeira. Estamos todos preocupados com a quantidade de doenças transmissíveis ao mesmo tempo. A que mais provoca mortes é a gripe.

Doenças transmitidas pelo Aedes aegypti

Já se falou em usar a vacina utilizada em 2015. Ela seria eficaz neste caso?

A vacina de 2015, assim como a de 2016, tem três cepas de vírus. Uma delas é coincidente entre os dois anos, que é justamente a H1N1 de 2009 [quando ocorreu a pandemia de gripe A]. Para este componente, ela é igualmente eficaz. Mas ela não dá cobertura para os outros dois vírus que têm circulação provável em 2016, o H3N2 e o vírus B.

A prevenção é a única forma de diminuir a circulação do vírus. Trabalhamos em três pilares: redução da velocidade de circulação do vírus, proteção das pessoas mais vulneráveis com uso da vacina e tratamento precoce das mais vulneráveis ou em casos com maior gravidade.

Seria a pior situação desde 2009, quando tivemos a pandemia?

Difícil saber, pois estamos no começo. O ano da pandemia não pode ser um comparador, porque quando pega o gráfico, é muito diferente de tudo. A comparação que podemos fazer neste ano é que tivemos mais casos para essa mesma época do ano.

Por enquanto, podemos dizer que é um ano que preocupa mais. Pode ser que tenhamos uma boa surpresa, e assim como começou antes, também acabe antes. Mas isso é imprevisível.


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