Folha de S. Paulo


Com 'fim' da crise hídrica, Sabesp quer o fim do desconto na conta de água

Menos de um mês após o governador Geraldo Alckmin (PSDB) ter decretado o fim da crise hídrica no Estado de SP, a Sabesp decidiu acabar com o bônus para quem reduz o consumo de água.

O pedido da empresa estatal de água que foi protocolado na Arsesp, agência estadual do setor hídrico, também pede o fim da multa para os que consomem muita água, os chamados "gastões". Se for aceito, o que deve ocorrer, tanto o bônus quanto a sobretaxa na conta acabam a partir do mês de maio.

No pedido protocolado à agência, a Sabesp diz que "a situação hídrica atual permite uma maior previsibilidade sobre as condições dos mananciais". O sistema Cantareira, por exemplo, o maior da região metropolitana da capital atualmente opera com 49,6% de sua capacidade.

A solicitação da Sabesp deve ser analisada pela diretoria colegiada da Arsesp, composta por cinco membros. O próximo encontro dos diretores está marcado para quarta-feira (30), mas o órgão pode convocar reunião extraordinária.

Anunciado em fevereiro de 2014, o programa de bônus confere descontos para quem gastar menos água do que o seu padrão de consumo. Como muitas pessoas começaram a reduzir o consumo, a empresa foi obrigada a conceder muitos descontos, e o programa acabou dilapidando a arrecadação da Sabesp.

No fim de 2014, após as eleições e o agravamento da crise, Alckmin anunciou o programa de sobretaxa, que pune quem aumenta o consumo de água sem justificativas. Na virada deste ano, porém, a Sabesp mudou as regras de obtenção do bônus para tornar mais difícil a concessão do desconto.

O diretor Econômico-Financeiro e de Relações com Investidores da Sabesp, Rui Affonso, defendeu que o fim da sobretaxa não vai estimular o aumento do consumo de água. "O abastecimento entrou em crise porque houve a pior seca do século, não por que as pessoas consumiram muita água", disse. "Temos água para abastecer São Paulo, fizemos várias obras, e hoje a segurança hídrica é muito maior."

Sobre o anunciado fim da crise, especialistas são céticos. Segundo eles, apesar de a situação estar mais confortável neste ano, em relação principalmente aos anos de 2014 e 2015, nada indica que o problema não pode voltar no médio prazo. Na periferia de São Paulo, por exemplo, moradores ainda reclamam da falta de água em algumas horas do dia.

BALANÇO

Nesta quinta-feira (25), a Sabesp, uma das maiores companhias de saneamento básico do mundo, anunciou os seus resultados financeiros de 2015. O lucro da empresa caiu 40,6%, de R$ 903 milhões em 2014 para 536,3 milhões em 2015, num resultado direto da crise hídrica –com os reservatórios vazios, a empresa endureceu o racionamento e, como consequência, vendeu menos água aos consumidores.

Chama a atenção, porém, a retomada da aceleração dos lucros no último trimestre de 2015, quando as chuvas ajudaram a aliviar a crise nas represas. O lucro da empresa apenas neste trimestre foi de R$ 460,9 milhões, contra um resultado de apenas R$ 31,4 milhões no mesmo período de 2014, no auge da crise.

A receita operacional bruta da Sabesp, apesar da concessão de bônus aos consumidores e de uma queda na quantidade de água vendida de 6,8%, apresentou um ligeiro acréscimo de 0,5% entre 2014 e 2015.

Desde junho de 2015, a tarifa de água sofreu um reajuste de 15,2%. A multa para quem gastou muita água arrecadou para os cofres da empresa R$ 499,7 milhões no ano passado.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

A crise da água acabou, como disse o governador?
Se comparada a do ano passado, sim, a situação está bem melhor. Mas moradores da periferia ainda sofrem com os cortes no fornecimento de água, principalmente nos períodos da noite e da madrugada. No auge da crise, o racionamento deixava algumas residências de 15 horas a 20 horas por dia com as torneiras secas. Agora a queixa é mais restrita.

Qual foi o ponto mais crítico da seca?
No fim de janeiro de 2015, o sistema Cantareira, principal reservatório da Grande São Paulo, operava com apenas 5% de sua capacidade. Isso já contando com duas porções de seu volume morto, que é a água do fundo das represas que nunca havia sido captada antes. Naquele mês, já se falava em buscar a terceira e até a quarta porções do volume morto do sistema de represas.

Meses antes, o diretor Metropolitano da empresa havia dito em uma reunião fechada que, se a chuva não chegasse, ele não saberia como fornecer água a São Paulo. Chegou a cogitar a hipótese de evacuar parte da cidade.

O então recém-empossado presidente da empresa, Jerson Kelman, dizia que aumentaria o período em que a periferia de São Paulo ficava sem águas em suas torneiras. Tudo para que a cidade pudesse atravessar o que ele chamava de "deserto em 2015", já que o ano apontava ser pior do que o anterior.

A empresa começou a traçar um plano para atuar diante do colapso do fornecimento da água em São Paulo. Nessa situação, só seria capaz de entregar água para alguns hospitais, clínicas de hemodiálise e presídios.

Retirada de água do Cantareira

O que fez a situação da água melhorar?
Um conjunto de fatores. Por parte do governo, houve uma maior integração das tubulações que permitiram flexibilizar a entrega de água dentro da Grande São Paulo. Com isso, passou a ser possível, por exemplo, levar água da cheia Guarapiranga para bairros que tradicionalmente eram atendidos pelo sistema Cantareira, que esteve à beira de um colapso. Por parte da população, houve uma forte redução do consumo de água. No ponto mais crítico da estiagem, cerca de 90% da população reduziu seu consumo, muitas vezes incentivadas pelos programas de bônus e pela sobretaxa.

Outro fator determinante foi a volta do regime de chuvas, conforme o esperado. São Paulo passou dois anos com volumes de chuva extremamente baixos, em que o volume de água que entrou no Cantareira, por exemplo, foi 80% menor do que o previsto. Nos últimos seis meses, o Cantareira recebeu chuvas perto da média.

Alckmin merece novos prêmios pela gestão da crise?
A população e especialistas dizem que não. Durante o auge da crise faltou transparência ao governo do PSDB. Alckmin sempre minimizou a gravidade da crise e nunca admitiu que a Grande SP esteve sob um forte "racionamento" –preferia o eufemismo da "redução da pressão" nas tubulações, o que, na prática, é a mesma coisa. Durante a campanha eleitoral de 2014, quando era candidato à reeleição, adiou a implantação da sobretaxa na conta dos "gastões" de água. Em um debate eleitoral na televisão, chegou a dizer que não faltava água em São Paulo, contrariando a experiência diária de milhares de pessoas, principalmente na periferia da região metropolitana. Pesquisa Datafolha, em outubro, mostrou que apenas 15% dos paulistanos consideravam a gestão tucana da água como ótima e boa.

Infográfico: Reservatórios da Grande SP

Estamos preparados para uma nova seca?
Caso a próxima seca seja tão rigorosa quanto a última, a população de São Paulo deverá sofrer novamente. Mas segundo a Sabesp e o governo do Estado, as condições de operação e de distribuição da água na cidade estão melhores do que antes da crise.

De qualquer forma, caso ocorra uma seca ainda mais rigorosa, São Paulo poderá ter mais problemas já que questões estruturais ainda não foram enfrentadas como um programa de individualização de hidrômetros em condomínios, incentivo à água de reuso etc.


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