Folha de S. Paulo


Força-tarefa junta até concorrentes para combater escassez de água

Na fazenda São João do Atibaia, em Jaguariúna (SP), árvores nativas agora crescem onde o gado pastava. Uma área de 48 hectares está sendo reflorestada para que a água que banha a propriedade volte a ser abundante.

"O volume de água fornecido pelas duas nascentes só foi diminuindo, não dava mais para abastecer o rebanho como antes", conta Eduardo Aparecido dos Santos, 37, administrador do imóvel de médio porte que cria gado de corte e leite.

A relação entre cobertura florestal e água era familiar para ele, que cresceu na área rural. Não foi difícil convencê-lo de que diminuir o pasto em favor do verde traria a água de volta.

Adriano Vizoni/Folhapress
Lago de nascente que está sendo recuperada em fazenda de Jaguariúna (SP)
Lago de nascente que está sendo recuperada em fazenda de Jaguariúna (SP)

Além de garantir o funcionamento da fazenda, as duas nascentes ali formam o rio Atibaia, inserido nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). Parte da água da região vai para o Cantareira, sistema que abastece 9 milhões em São Paulo em tempos de cheia.

O caso de Jaguariúna faz parte de uma iniciativa maior, a Coalizão Cidades pela Água, comandada pela organização TNC (The Nature Conservancy). Lançada no fim de 2015, a força-tarefa combate a falta d'água com a preservação de rios e nascentes nas áreas mais expostas à escassez.

A produção científica atesta que as árvores ajudam no processo de infiltração, filtragem e armazenamento da água. O desmatamento causa efeito contrário.

Um estudo da TNC aponta que a restauração de menos de 3% das áreas desmatadas nas bacias que formam os sistemas Cantareira e Alto Tietê reduziria em até 50% a erosão de nascentes e riachos que abastecem a metrópole.

Além de São Paulo, a Coalizão Cidades pela Água nomeou outras 11 regiões brasileiras como estratégicas.

Em Curitiba, Santos, Maceió, João Pessoa, Brasília, Rio, Salvador, Vitória, Belo Horizonte, Recife e Goiânia o investimento em recuperação florestal pode trazer retorno econômico e garantir o abastecimento. "Nessas regiões estão mais de 60 milhões de pessoas e são gerados 45% do PIB", diz Samuel Barreto, gerente da TNC. Segundo a previsão, a coalizão atuará em 21 bacias, investindo R$ 120 milhões em cinco anos.

O dinheiro para as ações virá de um dos maiores interessados na disponibilidade da água: o setor privado.

O reflorestamento em curso na fazenda São João do Atibaia é custeado pela Ambev, uma das dez empresas que aderiram à coalizão.

"A gente é parte de uma bacia hidrográfica, que tem usos múltiplos. Não tem como fazer gestão da água isolada", diz Simone Veltri, gerente de relações socioambientais da Ambev.

A fabricante de bebidas não foi afetada pela seca do Sudeste, mas aumentou o nível de alerta desde então.

"Nossa companhia depende de mais de 90% da água. Eficiência hídrica é crucial. Nos últimos 13 anos, reduzimos em 40% o consumo interno", diz Veltri.

Concorrentes, a Coca Cola se juntou à Ambev na coalizão. "Por mais que sejamos eficientes dentro da fábrica, se olharmos para nossa cadeia produtiva vemos que há bastante trabalho a ser feito", analisa Pedro Massa, diretor da Coca-Cola Brasil. "Todos precisam de água para que a economia possa crescer."

Há projetos em andamento em 6 das 12 áreas de atuação da coalizão Cidade pela Água –cidades do Nordeste ainda receberão ações.

As empresas da coalizão assinam um compromisso para aprimorar práticas de gestão de água. E têm 18 meses para implementar melhorias.

Na visão de Pedro Jacobi, professor da USP e presidente do Conselho do ICLEI-Brasil (associação mundial de governos locais pró desenvolvimento sustentável), a crise hídrica de 2014 e 2015 serviu para que diferentes setores dediquem atenção permanente à escassez.

"É importante que haja coalizões. Mas iniciativas assim não substituem e não podem assumir o papel do poder público na gestão desse recurso."


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