Folha de S. Paulo


Brasil perde R$ 8 bilhões ao ano com vazamento de água e ligação irregular

O Brasil joga fora mais de um terço da água tratada que distribui, segundo o Ministério das Cidades. Essa porção que não chega às torneiras daria para encher quase sete vezes o reservatório do Cantareira –o maior em operação na Grande São Paulo.

O Instituto Trata Brasil fez as contas: o desperdício equivale a um prejuízo anual de R$ 8 bilhões. O índice é superior aos da China (22%), da Rússia (23%), dos EUA (13%) e da Austrália (7%).

EM CIDADES PELO MUNDO, EM 2011 - Em %

Contra isso, um grupo de empresas, ONGs e faculdades, como Lopes Engenharia, Akatu e FGV-Rio, criou o Movimento pela Redução de Perdas na Distribuição de Água, no final do ano passado.

A ideia dos 50 participantes é prestar consultoria a cidades que criarem planos estratégicos para reduzir o desperdício de água tratada, diz Mário Pino, gestor de sustentabilidade da Braskem, empresa que lidera a ação. "Vamos apontar linhas de financiamento, ceder profissionais e construir soluções para atacar o problema." A cidade-piloto do programa será Piracicaba (160 km de SP).

A água tratada escorre pelas redes de idade avançada e pelas oscilações de pressão nos dutos. Falta de hidrômetros, falhas na medição e ligações clandestinas elevam o prejuízo, diz a Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental).

"Todo mundo sai prejudicado. As empresas seguram os investimentos no sistema como um todo, e o cidadão arca com a conta de água mais cara", diz Dante Ragazzi Pauli, presidente da Abes.

Na maior companhia de saneamento do país, a Sabesp, as equipes "caça-fraudes" detectaram 19,2 mil "gatos" (furtos na rede) em 2015 só na Grande São Paulo. Houve salto de 23% em relação a 2014.

O auditor da Sabesp Marcelo Fridori conta que 60 suspeitos estão na mira da polícia. "Eles oferecem serviço de fraude a grandes consumidores, com aparelhos que burlam a leitura de hidrômetros."

A companhia tem perdas de 32,8%, segundo o Ministério das Cidades, mas, no seu próprio cálculo, que desconta "gatos", o índice é de 27,1%.

Entre os Estados, o Amapá é campeão em desperdício: 78,2% da água tratada não chega ao consumidor final. O Distrito Federal é o mais eficiente, com 27,1%.

NO MEIO DO CAMINHO - Amapá lidera ranking nacional de perda de água tratada; Distrito Federal é o que menos desperdiça

Ilana Ferreira, analista da CNI (Confederação Nacional da Indústria), cruzou dados de gestão hídrica das regiões com os do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

"O Norte e o Nordeste apresentam os piores resultados de desenvolvimento e do atendimento de água, coleta e tratamento de esgoto, o que não é uma coincidência", diz.

O Brasil tem como meta atingir, em 2033, índice de perdas de água de 31% –ainda elevado para os padrões internacionais, de até 25%.

Para isso, o país terá de se mexer. Entre 2010 e 2014, a redução anual manteve-se em 0,5 ponto percentual, segundo estudo da CNI. "É um avanço muito linear, inexpressivo", diz Ilana Ferreira.

O Ministério das Cidades é o órgão responsável por criar as políticas públicas do setor. Municípios, Estados e companhias privadas de saneamento são os executores das ações de redução de perdas.

A Abcon (entidade das concessionárias) diz que as empresas planejam investir R$ 12,3 bilhões até 2018 para melhorar os serviços, que atualmente chegam a 32,4 milhões de brasileiros.

ÍNDICE DE PERDA NA DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA POR REGIÕES, EM %

INVESTIMENTO

Limeira (151 km de SP) virou um modelo de gestão. A cidade foi a primeira do país a ceder sua rede de esgoto à iniciativa privada, em 1995.

De lá para cá, a perda caiu de 45% para 14%. "O número de ligações cresceu 63% nesses 20 anos, mas mantivemos a mesma captação de água do rio Jaguari", diz Rodrigo Leitão, gerente da Odebrecht Ambiental, a concessionária de Limeira.

"Criamos 60 unidades de medição para enxergar as perdas com mais prioridade. Isso deu mais poder de fogo para agirmos."

O país tem 304 cidades em que a gestão da água é feita por empresas particulares.

Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, diz que a água que se perde em dutos poderia "alavancar o abastecimento dos reservatórios que geram energia elétrica, a produção agrícola, a pecuária e os pequenos negócios."

Para ela, é a cultura da abundância que precisa mudar. "Achamos que temos água demais, quando, na verdade, temos um rio morto como o Tietê e muito investimento por ser feito."


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