Folha de S. Paulo


Família acusa clínica de negligência por morte de mulher após alta médica

Os parentes de uma mulher que morreu em Santo André, na Grande São Paulo, após passar por três cirurgias e receber alta ameaçam processar a clínica que a operou por negligência no socorro.

No dia 25 de fevereiro, Kátia Cilene Lucas Moreira, de 42 anos, fez uma operação na clínica Luiz Anchieta para retirar o útero, por causa de um mioma (tumor benigno). Aproveitou a ocasião para fazer duas cirurgias plásticas, uma na barriga (abdominoplastia) e outra nos seios (implante de silicone). "Ela tinha um sonho imenso. Tinha feito a cirurgia bariátrica (redução do estômago) há alguns anos e chegou o momento em que queria corrigir a barriga e os seios", diz o marido, Paulo César Moreira, 42.

Arquivo pessoal
Kátia Cilene Lucas Moreira com o marido, Paulo César Moreira; Kátia morreu após passar por três cirurgias em Santo André (SP)
Kátia Moreira com o marido, Paulo César; Kátia morreu após passar por três cirurgias em Santo André

Os procedimentos foram feitos todos em sequência e levaram cerca de três horas e meia, segundo Moreira. No dia seguinte, começaram os problemas na clínica. Reclamando de dormência nas pernas, Kátia teve a circulação estimulada por um aparelho que, de acordo com o marido, falhou três vezes. Ele foi então orientado a desligar e ligar o equipamento por conta própria.

Na parte da tarde, a paciente começou a reclamar de dores no peito. No final do dia, após a retirada da sonda urinária, Kátia recebeu alta. Por conta do horário –a família mora em Praia Grande, na Baixada Santista–, optaram por passar mais uma noite na clínica.

FALTA DE AR

Por sugestão médica, a paciente iniciou uma leve caminhada noturna, mas se sentiu mal e desmaiou. Quando recobrou a consciência, reclamou de falta de ar, que foi se intensificando. Moreira conta que, desesperado, repetia "cadê o médico, cadê o médico?" para o enfermeiro, que informou que o médico estava a caminho.

"A falta de ar foi aumentando até que ela apagou. Fui sentir o pulso e percebi que ele sumia", relata o marido. O enfermeiro então trouxe ar comprimido e, depois, o aparelho de oxigênio. "Ele estava tão nervoso que não conseguia ligar o equipamento. Fui eu que acabei ligando, cobrei de novo a presença do médico e, quando ele disse que a estávamos perdendo, liguei na hora para o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência)."

Segundo relato de Moreira, o atendimento público chegou pouco após o médico da clínica e assumiu os cuidados da paciente, recuperando seus batimentos cardíacos e levando-a para o hospital Cristóvão da Gama, também em Santo André. Lá, Kátia passou por uma tomografia e foi detectada embolia pulmonar (quando um coágulo obstrui uma artéria do pulmão). Ela teve outra parada cardiorrespiratória e morreu.

Kátia e Paulo César eram casados há 25 anos, e tiveram dois filhos, Wellington, 24, e Victoria, 16. Na quinta (10), parentes e amigos de Kátia fizeram um protesto em frente à clínica, com cartazes pedindo justiça.

Arquivo pessoal
Kátia Cilene Lucas Moreira (dir.) com o marido, Paulo César Moreira e os filhos, Victoria e Wellington; Kátia morreu após passar por três cirurgias em Santo André (SP)
Kátia (dir.) com o marido, Paulo César, o filho Wellington e a nora

OUTRO LADO

Por meio de seu advogado, o cirurgião Luiz Anchieta diz que foram aplicados todos os protocolos para a prevenção de casos como a embolia. Entre as medidas adotadas está o uso de meias cirúrgicas de compressão para estimular a circulação nos membros inferiores e assim evitar a formação de coágulos, a aplicação de medicamentos anticoagulantes e a caminhada.

Ele afirma que o equipamento que Moreira diz ter falhado era uma bota pneumática que funciona por fases e, portanto, parava de funcionar a cada fim de ciclo. "Todo novo ciclo foi feito por nossa equipe", diz.

A alta de Kátia foi concedida porque ela estava "em ótimo estado geral". Por ela não morar na região, a clínica decidiu mantê-la por mais uma noite. Ele informa também que o enfermeiro presente fez todos os procedimentos necessários para reanimar a paciente, que teria sido "o mesmo que o médico realizaria se estivesse no local". Como um indicativo de que as medidas de emergência foram aplicadas corretamente, o representante afirma que ela "saiu da clínica em condições estáveis de oxigenação e batimentos cardíacos".

A não internação dela na UTI disponível na clínica é creditada ao quadro súbito e grave. "Achamos que o melhor seria transferi-la para um hospital de grande porte, onde a realização de exames imediatos nos daria o diagnóstico mais rapidamente."

Eles negam a ocorrência de erro médico. "A provável tromboembolia pulmonar maciça faz parte do risco de qualquer cirurgia. Todas as medidas de profilaxia e prevenção foram tomadas, tentando minimizar todos os riscos."

Informam também terem chamado uma ambulância, que chegou após a do Samu, que ofereceram toda a ajuda possível e se declaram "consternados com o ocorrido e solidários à família".

DEMAIS QUEIXAS

Além de afirmar que dará entrada no processo judicial por negligência contra a clínica Luiz Anchieta, Moreira fez queixas na polícia e no Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). A Polícia Civil informa que foi instaurado inquérito para apurar a morte e que deve ouvir familiares de Kátia e representantes da equipe médica. A investigação é feita pelo 2º DP de Santo André.

Já o Cremesp informa que será aberta sindicância para apurar o caso, que pode levar de seis meses a dois anos. Se constatados indícios de infração ética, será instaurado processo ético-profissional. Sem tais indícios, a sindicância é arquivada. Em caso de processo pelo Cremesp, o caso pode ir a julgamento e tem como pena mais grave a cassação do exercício profissional dos médicos considerados culpados.

Em nota, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Dênis Calazans, informou que "a associação de múltiplos procedimentos médicos em um único ato cirúrgico deve ter uma análise muito pontual", de acordo com o histórico do paciente e que somente a avaliação do procedimento da equipe médica frente às informações disponíveis é que pode levar a um juízo de cada caso.


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