Folha de S. Paulo


Quatro meses após tragédia em MG, famílias esperam notícias de parentes

Alexandre Rezende/Folhapress
Emerson Santos, 30, cujo pai está desaparecido desde a tragédia em Mariana
Emerson Santos, 30, cujo pai está desaparecido desde a tragédia em Mariana

Os bombeiros telefonaram a Emerson dos Santos, 30, em dezembro, e o avisaram: seu pai havia sido encontrado. "Criamos uma expectativa. Falei para todo mundo." Horas depois, quando saía de casa para fazer o reconhecimento, os bombeiros ligaram novamente: não era seu pai.

Até hoje, passados quatro meses da tragédia em Mariana (MG), o auxiliar técnico de manutenções da Vale ainda não pôde enterrar o pai, Ailton Martins dos Santos, 55. Também não tem recebido informações sobre as buscas.

Das 19 vítimas da ruptura da barragem da Samarco, em novembro, duas continuam desaparecidas. O último corpo foi achado em dezembro. "Já passou muito tempo. Minha esperança que achem ele acabou", conta o filho.

Motorista apaixonado por carros, Ailton foi contratado pela empresa terceirizada Integral Engenharia um mês antes da tragédia. Estava feliz porque ficara dois anos desempregado. Costumava sair às 6h de casa, em Catas Altas, cidade vizinha a Mariana, no ônibus da empresa. Em Fundão, dirigia um caminhão-pipa.

O dia todo ziguezagueava para cima e para baixo no reservatório, carregando a água que recolhia no pé da estrutura, e despejava no topo, para obras de terraplenagem. Inquieto, reclamava de ficar parado esperando o tanque ser enchido de água. Queria era guiar um caminhão que rodasse o tempo todo.

"Disseram que viram o caminhão ser soterrado e que ele não tinha saído da cabine", diz Emerson, que tirou licença no trabalho e passou os dois meses seguintes à tragédia indo diariamente a Mariana atrás de notícias.

Em 15 de dezembro, um corpo foi achado no que sobrou de uma cabine, o que confundiu os bombeiros. Acharam que fosse Ailton, mas uma aliança com um nome gravado mostrou que era Vando Maurílio dos Santos, 37, também da Integral.

Emerson recebeu psicólogos em casa, mas diz que logo pararam de visitá-lo. Todo mês, um funcionário da Integral leva à família o salário de Ailton: R$ 1.600. "Não sei até quando. Talvez até que tenha um atestado de óbito."

O documento é essencial para famílias resolverem juridicamente questões como partilha de bens e pensões. Escavações na área da barragem estão sendo feitas pela Samarco, segundo o tenente Júlio César Teixeira, 30. Os bombeiros têm ainda realizado algumas buscas pontuais.

Chamada Noite

Um detector de metais foi testado, sem resultado. "Infelizmente, não existe tecnologia que nos ajude a achar o caminhão", diz o tenente. Além de Ailton, Edmirson José Pessoa, 48, da Samarco, também não foi encontrado.

"Eles não dão notícia. Eu que às vezes pergunto algo ao sobrinho do meu marido que trabalha na Samarco", afirma Therezinha de Jesus Lopes Pessoa, 48, sua mulher. Edmirson atuava na mineradora havia 19 anos, o último deles em Fundão, onde recolhia água para análises.

Ao saber da ruptura, Therezinha pensou que o marido pudesse ter escapado correndo. Não escapou. E também não escapou o irmão dela, Pedro Paulino Lopes, 56, da Manserv Montagem e Manutenção. Um mês após a tragédia, ela enterrou o irmão. "Às vezes chego em casa com esperança de abrir a porta da sala e ver ele no sofá. Mas é ilusão pura", conta.

Para os bombeiros, o caso é complexo, porque Edmirson não estava dentro de nenhuma estrutura. Um contêiner, perto de onde ele trabalhava, está sendo procurado para poder servir de referência. Corpos foram achados num raio de 60 quilômetros.

Therezinha, dona de casa, recebe o salário do marido e um vale-alimentação da Samarco. Ela dispensou três psicólogas. "Não estava me fazendo bem." Também não aceitou receber a reportagem. Quando conversa pessoalmente sobre o marido, não consegue controlar o choro.

A Samarco afirma ter indenizado antecipadamente cada família em R$ 100 mil. No caso de Ailton, o depósito foi feito em juízo, diz a empresa.

Chamada Lama


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