Folha de S. Paulo


Análise

Anúncio sobre a imunização é, no mínimo, imprudente

O anúncio do ministro da Saúde, Marcelo Castro, dando prazo de um ano para que a vacina contra o vírus da zika para seja testada em humanos e de até três anos que ela chegue ao mercado é, no mínimo, imprudente.

Por mais que se tenha recursos (as ofertas internacionais parecem promissoras) e esforços de equipes do mundo todo, o caminho da pesquisa clínica é naturalmente tortuoso. Um protocolo pode ser bem-sucedido ou não.

Um exemplo: um grupo de uma renomada universidade brasileira estava desenvolvendo um tratamento para dengue. A previsão era que, em um ano, o remédio já seria testado em humanos.

Mas, iniciados os ensaios em macacos, veio o banho de água fria: o medicamento, em vez de diminuir a viremia (presença no vírus no sangue) como era esperado, acabou aumentando. O estudo voltou para a estaca zero.

São várias as etapas do desenvolvimento de uma vacina até que se atinja o objetivo principal: estimular o sistema imunológico a reconhecer um agente agressor e produzir anticorpos específicos para combatê-lo, evitando que a doença se desenvolva.

É bom lembrar que mais de 90% das substâncias estudadas na fase pré-clínica (experimental) de uma nova droga são eliminadas por ineficácia ou falta de segurança.

Na fase clínica, que envolve pelo menos três etapas, testa-se diferentes parâmetros, como tolerância, eficácia, segurança e efeitos adversos do novo fármaco em diferentes grupos de voluntários. Ao todo, o processo de desenvolvimento de uma vacina pode levar 12 anos.

Há exceções, como a que ocorreu com a vacina contra o ebola, desenvolvida em tempo recorde (um ano e meio após anúncio oficial da epidemia) com esforço concentrado de pesquisadores e e recursos internacionais.

Embora a vacina contra o ebola pareça eficaz, com 100% de proteção segundo estudo com 4.000 pessoas, um painel internacional determinou que os testes devem seguir para verificar se ela gera imunidade de grupo.

É compreensível que, em um momento de temor mundial com a rápida expansão do vírus da zika e sua associação com os casos de microcefalia, o governo brasileiro queira dar respostas rápidas à população, porém, é preciso cautela com promessas.

Em dezembro, quando o Instituto Butantan disse que iniciaria estudos para uma vacina contra a zika, o secretário da Saúde do Estado, David Uip, evitou dar prazos.

O pior dos mundos para um grupo de pesquisa é trabalhar sob pressão. Rigor científico não combina com marketing político.

VACINA CONTRA A ZIKA


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