Folha de S. Paulo


Butantan cobra verbas e diz que em três anos pode ter vacina contra zika

Sob pressão da sociedade brasileira e diante de uma missão crucial em meio à epidemia do vírus da zika, Jorge Kalil, presidente do Instituto Butantan, um dos principais centros que buscam a vacina contra o vírus, diz que até agora não recebeu recursos do Ministério da Saúde para bancar o projeto.

Segundo o imunologista seriam necessários R$ 30 milhões para esta fase inicial do trabalho que poderia ser concluído em até três anos, mas apesar dos anúncios feitos no dia 15 de janeiro, quando o laboratório recebeu a visita do ministro da Saúde, Marcelo Castro, até agora não houve repasses.

"O início do projeto é bem mais barato. Ele começa a ficar caro bem mais tarde. No começo, com R$ 30 milhões já avançaríamos muito. Isso não é nada. Tem compras que o governo federal faz de anticorpos no valor de R$ 1 bilhão", explica.

Na noite desta quarta-feira (3), a presidente Dilma Rousseff relembrou, em pronunciamento nacional, que ainda não existe vacina contra a zika, e exortou a população a aderir ao que classificou como uma "luta urgente" contra o Aedes aegypti, mosquito transmissor dos vírus da dengue, zika e chikungunya.

Para Kalil, é necessário que a retórica se transforme em ações concretas. "Eu acho que no Brasil se fala muito se faz pouco. Eu acho que tinham que arrumar o dinheiro e deixar os cientistas trabalharem", diz, acrescentando que também há atraso no recebimento de R$ 300 milhões referentes à última fase de testes da vacina contra a dengue.

As verbas da vacina da dengue são compartilhadas pelo governo do Estado de São Paulo e o governo federal. Consultado pela BBC Brasil, o Ministério da Saúde disse, por meio de nota, que o pré-projeto da vacina contra o vírus da zika só foi enviado pelo laboratório após reunião realizada no dia 15 de janeiro.

"Todo esse processo está sendo acompanhado pela direção do Instituto Butantan e o documento vai prever ainda recursos para a fase final da vacina contra a dengue", acrescenta a nota, destacando que o órgão repassa ao instituto o equivalente a R$ 1 bilhão por ano para aquisição de vacinas e soros, além dos valores de investimentos em tecnologia.

Quanto ao valor de R$ 30 milhões citado por Kalil, o Ministério da Saúde disse que "qualquer investimento público em tecnologia deve seguir um trâmite e isso está sendo feito com muita agilidade, devido à prioridade do tema, mas que os valores só poderão ser divulgados na conclusão do projeto".

Já o governo do Estado de São Paulo informou à BBC Brasil, também por meio de nota, que não faltarão recursos estaduais para os testes clínicos e demais etapas de desenvolvimento da vacina da dengue. "Tanto que, no primeiro semestre de 2015, o governo paulista encaminhou à Anvisa pedido para antecipar a fase 3 dos testes clínicos, visando acelerar o processo e disponibilizar a vacina para campanhas de imunização em massa no Brasil o quanto antes. Entretanto o órgão federal somente aprovou esta solicitação em dezembro", acrescenta a nota.

Veja os principais trechos da entrevista:

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Vitor M/Projetor-29.abr.2015/Folhapress
Jorge Kalil, presidente do Instituto Butantan
Jorge Kalil, presidente do Instituto Butantan

BBC Brasil - Em que estágio se encontra a busca pela vacina contra o vírus da zika no Instituto Butantan? Há parcerias com outras instituições?
Jorge Kalil - O trabalho se encontra em estágio inicial. Trabalhamos há muitos anos com o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH), e com o Instituto Pasteur, de Paris, e para algumas coisas que eu quero fazer nós também vamos colaborar com o Laboratório Federal de Los Alamos, que fica nos EUA. Existem várias linhas de atuação que nós queremos trabalhar. Uma é a vacina, que tem várias maneiras de fazer, a segunda é a produção de anticorpos, que podem servir tanto para tratamento quanto para diagnóstico. Também atuamos na busca por um teste sorológico, e uma quarta linha de atuação, com a George Washington University, também dos EUA, trabalha na história natural da doença.
Esta última frente busca responder perguntas importantes. Temos que saber como esse vírus chega e desperta uma resposta imune, e sabemos que tem pouco vírus no sangue, e por pouco tempo. E depois? O vírus ainda fica no corpo da pessoa? No caso das mulheres, como é que transmite para a placenta? Quanto tempo o vírus fica no corpo até ser completamente eliminado? Várias perguntas que temos que fazer e que não vão resultar num produto imediato mas vão guiar os produtos que nós temos que fazer.

O Instituto Butantan está ligado ao Estado de São Paulo. Mas quais são as fontes de financiamento para os projetos? O senhor já recebeu recursos do Ministério da Saúde para acelerar a vacina contra o vírus da zika?
Na verdade recebemos muito pouco recurso do Estado de São Paulo. Nos inscrevemos em financiamentos de pesquisa, sejam da Fapesp, BNDES, Finep, e agora o Ministério da Saúde prometeu que vai dar recursos diretamente para o Butantan para desenvolver muitos desses projetos contra a zika, e o ministro Marcelo Castro me prometeu que não faltarão recursos para que a gente faça essas pesquisas, mas por enquanto ainda não chegaram. Em relação aos recursos para a fase 3 da vacina de dengue, que inclui testar a vacina em 17 mil pessoas em 14 centros espalhados pelo país, no valor de R$ 300 milhões, por enquanto também não tenho nada, por enquanto só tenho promessas.

Há uma grande cobrança da sociedade brasileira sobre a busca pela vacina contra a zika, e o mundo está em alerta. Na sua opinião, o que emperra a liberação dos recursos necessários, apesar da situação emergencial?
Eu estou trabalhando como eu posso, e tentando mostrar que a gente consegue fazer, apesar de todas essas adversidades. Agora, é muito complicado, e realmente tenho esperança de que o Ministério da Saúde vá desbloquear rapidamente este dinheiro. Mas o sistema é todo muito burocrático e muito lento, e muito politizado, o que é muito ruim, porque aí fica um monte de político prometendo e pouca gente fazendo.
Nós não temos capital de giro para executar todas essas frentes de trabalho. Estamos em plena produção de vacinas e temos que gastar primeiro, para depois receber. Eu preciso de agilidade para comprar insumos, contratar gente, comprar reagentes. E com o governo tudo é muito lento. Nós somos uma fábrica de vacinas, precisamos de agilidade para trabalhar, além de sermos um local onde se faz pesquisa, claro.
Precisamos de muita saúde financeira para fazer esses projetos da dengue e da zika, que são de interesse fundamental para o país e para a sociedade brasileira, e se não recebermos, vai atrasar. Nós produzimos grande parte dos soros e das vacinas do Brasil, que são tão importantes para as pessoas.
Tenho que comprar cavalos para imunizar, para fazer os antissoros. É muita coisa, e precisamos de dinheiro, não tem outra forma. Assim como para a fase 3 da dengue, eu tenho que ter recursos, senão esses projetos não vão andar.

É correto afirmar que o trabalho na busca pela vacina contra o vírus da zika está parado, então, no Instituto Butantan?
Parado não está, eu estou fazendo as coisas que dá para fazer. Fazendo isolados dos vírus, cultivando o vírus. Agora para eu cultivar o vírus em grandes quantidades eu tenho que ter dinheiro, porque os volumes se tornam maiores. O que eu posso fazer em volumes iniciais, menores, já estou fazendo.

De que valores estamos falando para que o projeto deslanche?
O início do projeto é bem mais barato. Ele começa a ficar caro bem mais tarde. No começo, com R$ 30 milhões já avançaríamos muito. Depois, quando começam os ensaios clínicos, é que fica mais caro. Isso não é nada. Tem compras que o Governo Federal faz de anticorpos no valor de R$ 1 bilhão. A gente precisa desses R$ 30 milhões para começar o trabalho da vacina da zika e dos R$ 300 milhões para a terminar a vacina da dengue, e espero que esses recursos não atrasem. O Ministério da Saúde prometeu entregar.

Qual é a importância de não atrasar a fase final da vacina da dengue? Há aspectos da imunização que podem ser aproveitados para a vacina contra o vírus da zika?
Muita coisa pode ser aproveitada, porque os vírus são muito parecidos. Talvez a gente possa até fazer uma vacina da zika parecida com a da dengue. Utilizar até o vírus atenuado da dengue, inserir o gene que codifica para a proteína do envelope da zika e já termos a vacina em boa parte já feita, mas este trabalho já está atrasado por falta de recursos. Está tudo pronto, a vacina está pronta, mas falta a fase final de testes. Eu já tinha que estar vacinando, mas ainda não comecei a imunizar as pessoas. Temos os lotes de vacinas prontos, mas estamos esperando o recurso para a etapa clínica.

Quais são as estimativas realistas para que as duas vacinas cheguem à população, de fato? Tanto a de dengue como a da zika?
Olha, eu acho que se eu conseguir ter o dinheiro e imunizar rapidamente as pessoas durante este ano, quem sabe até o final do ano eu já consiga provar que a vacina de dengue funciona. Quanto à da zika, vai precisar de mais tempo. Eu sei que é importante informar a população, mas na ciência você consegue prever somente um pouco dos passos, não completamente. Tendo em vista a nossa experiência acumulada com dengue, eu diria que se tudo desse certo, em três anos eu teria uma vacina já aprovada para a zika.

Na corrida pela vacina, o Ministério da Saúde anunciou dias atrás que o trabalho ocorre em três instituições brasileiras: Instituto Butantan, em São Paulo, Instituto Evandro Chagas, no Pará, e na Bio-Manguinhos, que pertence ao sistema Fiocruz, no Rio de Janeiro. Os grupos trabalham em conjunto ou cada um desenvolve sua própria vacina?
Cada um está trabalhando no seu projeto, eles estão fazendo coisas semelhantes, mas vamos ver quem chega primeiro. São abordagens diferentes, mas colaboramos sim. É algo concomitante, estamos todos tentando chegar na vacina, e temos que nos ajudar para que isso ocorra o mais rápido possível.

Como tem visto a maneira como as autoridades têm gerido a crise trazida pela epidemia do vírus da zika e os casos de microcefalia? Houve críticas, por exemplo, a declarações do ministro da Saúde, quando se referiu que o Brasil estava "perdendo a luta contra o Aedes aegypti".
Eu acho que no Brasil se fala muito e se faz pouco. Eu acho que tinham que arrumar o dinheiro e deixar os cientistas trabalharem. Sobre o que o ministro disse, que reclamaram muito, eu acho que ele tem razão em dizer isso. Por que cientista diz a verdade e político tem que mentir? Eu acho que ele foi criticado muito mais por conta de interesses políticos.


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