Folha de S. Paulo


Ana Carolina Dias Cáceres, 24

'Sou a exceção da exceção', diz jornalista com microcefalia

RESUMO Ana Carolina Dias Cáceres, 24, nasceu com microcefalia. Em 2015, concluiu a faculdade de jornalismo, contrariando previsões de médicos que a atenderam na infância. Ela passou por cinco cirurgias para o desenvolvimento normal do cérebro.

Seu caso é menos grave que os relacionados ao vírus da zika. Antes indignada com a ação no STF pelo direito ao aborto para grávidas com o vírus, Ana diz ter repensado o assunto. Ela contou sua historia no livro "Selfie: Em Meu Autorretrato, a Microcefalia é Diferença e Motivação".

Renan Kubota/Folhapress
Campo Grande, MS, BRASIL, 02.02.2016 -: Ana Carolina Dias Caceres, 24, foi diagnosticada com microcefalia quando era recem-nascida. Fez quatro cirurgias no cranio que permitiram o desenvolvimento normal do cérebro, e conseguiu levar uma vida comum. Se formou em jornalismo e escreveu um livro sobre o assunto.. (Foto: Renan Kubota/Folha de São Paulo Cotidiano ***Exclusivo***) 
Ana, 24, diagnosticada com microcefalia quando recém-nascida, segura livro que escreveu sobre o tema

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Quando nasci, não tinha essa tecnologia toda. Minha mãe fez seis ultrassons, e nenhum apontou que eu tinha microcefalia ou qualquer outro tipo de problema. Ela só soube depois do parto, e mesmo assim após dois diagnósticos. No primeiro falaram que eu tinha síndrome de Down. A identificação da microcefalia partiu de um neurocirurgião, que me acompanhou por 14 anos.

Nos exames, aparece que minha cabeça tinha 27,4 cm. A microcefalia se deu por cranioestenose. O crânio era todo fechado e não teria espaço para o cérebro crescer. A minha síndrome é genética, não é por vírus ou bactérias.

O neurocirurgião tinha estudado fora e conhecia o tratamento. Ele sugeriu um procedimento cirúrgico para o desenvolvimento ser o menos problemático possível. Eu tinha nove dias de vida, e a cirurgia durou nove horas. Eu também tinha afundamento no rosto. Corrigiram. Tive duas paradas cardíacas. Fiz mais quatro cirurgias. O médico tirava parte do osso, e ele crescia novamente. Tinha que ir lá e serrar, até o cérebro se desenvolver todo.

Aos sete, o médico sugeriu uma prótese. Só que meu organismo a rejeitou. Aos nove, retirei e até hoje estou sem. Fiquei sem nada na testa, só pele e massa encefálica. Não tenho o osso, preciso ter cuidado com quedas e batidas. Tive convulsões até os meus 12 anos. Hoje, só uma gripe o tempo todo.

Nunca sofri preconceito grave. Meu pai teve preocupação em me colocar em uma escola mais acolhedora. Criança tem brincadeiras com qualquer pessoa diferente, bullying. A fisionomia é diferente, a face é assimétrica, um olho é maior que o outro. Mas nunca foi nada demais. E eu tinha que ficar mais quietinha, não podia ficar pulando.

Comecei a estudar com sete anos. Aos nove eu lia e escrevia, e a partir de então sempre acompanhei minha turma. Estudei com a mesma turma até me formar. Nunca fui reprovada, minhas notas sempre foram acima de 7. Tenho cicatriz na cabeça. As pessoas perguntam. Quando falo "microcefalia", olham com aquela cara, muito por causa do nome. Por isso escrevi um livro sobre o assunto, para que saibam o que é.

Me preocupo com o surto de microcefalia porque o tratamento não é fácil e não é barato. Não é só um médico, tem fisioterapia, psicólogo. Antes, era um caso a cada 40 mil nascimentos, segundo dados da OMS, algo raríssimo. Hoje aumentou muito.

O país não tem infraestrutura para atender a essa demanda, não tem profissionais o bastante. Não é por falta de vontade, é pelo alto número. Países mais desenvolvidos também teriam problemas.

Quando soube da ação no STF para permitir o aborto em caso de zika, me indignei. Depois conversei com a Débora Diniz, que é quem lidera o grupo que leva a ação, e ela me explicou que o projeto tende a dar apoio a essas mães e dar a opção à mulher.

Se ela estiver grávida e tiver sido diagnosticada com zika nos primeiros meses de gravidez, é dar a opção, associada à informação. Tem que se informar. E só com o diagnóstico preciso de zika.

Eu, particularmente, sou contra. Se estivesse grávida, eu não abortaria. Mas tem muitas mães que pegam zika por falta de informação e não têm acesso às tecnologias que meu pai tinha. Vai da consciência de cada pessoa.

Eu estou defendendo o lado que me representa, das crianças e mães. Defendo que o Estado dê toda estrutura e apoio a essas famílias. Sou a exceção da exceção. Além de ser uma síndrome rara, sou exceção porque tive um médico que conhecia bem a síndrome e sabia o tratamento certo. E porque meus pais não desistiram no primeiro diagnóstico.


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