Folha de S. Paulo


Justiça do Rio condena 13 PMs pelo desaparecimento e morte de Amarildo

A Justiça do Rio condenou 13 policiais militares por envolvimento no desaparecimento e morte do pedreiro Amarildo de Souza, 43.

Ele desapareceu em 14 julho de 2013 após ser detido por policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da favela da Rocinha, na zona sul do Rio.

Os policiais foram condenados pelos crimes de tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e fraude processual.

A Justiça também determinou que eles sejam expulsos da polícia.

A sentença foi dada na última sexta (29) pela juíza Daniella Alvarez Prado, da 35ª Vara Criminal da Capital.

"Infelizmente sabemos que ele não sumiu. Amarildo morreu. Não resistiu à tortura que lhe empregaram. Foi assassinado. Vítima de uma cadeia de enganos. Uma operação policial sem resultados expressivos. Uma informação falsa. Um grupo sedento por apreensões. Um nacional vulnerável à ação policial. Negro. Pobre. Dentro de uma comunidade à margem da sociedade. Cuja esperança de cidadania cedeu espaço para as arbitrariedades", comentou a magistrada em um trecho de sua decisão.

O então comandante da UPP da Rocinha na época do crime, major Edson Raimundo dos Santos, recebeu a maior pena: a 13 anos e sete meses de reclusão.

"Ainda que não tenha efetivamente 'colocado as mãos' em Amarildo, Edson foi o mentor intelectual da tortura qualificada pelo resultado morte. Teve o domínio do fato. Fomentou e possibilitou que tudo ocorresse sob o manto de seu comando", afirma a juíza na sentença.

O subcomandante da UPP, tenente Luiz Felipe de Medeiros, foi condenado a 10 anos e sete meses de reclusão. Segundo a juíza, o subcomandante orquestrou o crime com o major e participou pessoalmente da execução de Amarildo.

O soldado Douglas Roberto Vital Machado recebeu pena de 11 anos e seis meses.

"De fato, a participação de Vital se destaca. Percebemos de todas as provas encartadas que o réu atuou desde o início até o exaurimento do crime. Deu ensejo a todos os acontecimentos decorrentes de sua ação inaugural", diz a sentença.

Já os soldados Marlon Campos Reis, Jorge Luiz Gonçalves Coelho, Jairo da Conceição Ribas, Anderson César Soares Maia, Wellington Tavares da Silva, Fábio Brasil da Rocha da Graça e Felipe Maia Queiroz Moura foram condenados a 10 anos e quatro meses de reclusão cada.

As policiais Rachel de Souza Peixoto, Thaís Rodrigues Gusmão receberam pena de nove anos e quatro meses cada. O soldado Victor Vinicius Pereira da Silva teve a punibilidade extinta porque morreu em 2015.

No total, 25 policiais da UPP da Rocinha foram denunciados pelo Ministério Público.

Os soldados Dejan Marcos de Andrade Ricardo, Reinaldo Gonçalves dos Santos, Lourival Moreira da Silva, Wagner Soares do Nascimento, Jonatan de Oliveira Moreira, Márcio Fernandes de Lemos Ribeiro, Bruno dos Santos Rosa, Sidney Fernando de Oliveira Macário, Vanessa Coimbra Cavalcanti, João Magno de Souza, Rafael Bayma Mandarino e Rodrigo Molina Pereira foram absolvidos dos crimes.

PAZ ARMADA

De acordo com a sentença, major Edson pediu que policiais levassem à sede da UPP pessoas da favela que pudessem dar informações sobre a localização de drogas e armas.

Dias antes fora deflagrada a Operação Paz Armada, que pretendia desarticular o tráfico da Rocinha. Até aquele dia, a operação havia apreendido poucas armas.

O soldado Vital ouvira de uma informante que Amarildo estava com as chaves do paiol do tráfico. Ela o informou de que Amarildo estava num bar com traficantes.

Por determinação do major Edson, com o apoio do tenente Medeiros, os soldados Vital, Marlon, Jorge Luiz, Victor Vinicius, Ribas, Anderson Maia, Wellington Silva e Fábio Brasil foram buscar o ajudante de pedreiro, afirmando que fariam uma averiguação.

"Até aqui são latentes as ilegalidades praticadas pelos policiais. A vítima portava sua identificação. Tinha o direito de estar no bar e lá permanecer. Não havia qualquer crime em curso ou atitude relevante capaz de justificar a apreensão de Amarildo", diz a sentença.

"Amarildo era morador da comunidade e já conhecido dos denunciados. Não havia qualquer motivo lógico para conduzir a vítima ao CCC [Centro de Comando e Controle], considerando que os agentes sabiam que não se tratava de um traficante", afirma a juíza.

Na unidade, policiais que não estavam envolvidos na ação e trabalhavam na área administrativa foram proibidos de deixar o local.

Por ordem dos comandantes Edson e Medeiros, Amarildo foi submetido a tortura por cerca de 40 minutos, que culminou em sua morte.

Segundo a sentença, foi torturado com descargas elétricas, saco plástico na cabeça na boca e afogamento em balde com água, o que causou sua morte.

Em seguida foi pedido ao soldado Alan Jardim que trouxesse uma capa de moto. Segundo a sentença, o soldado disse ter visto os policiais carregarem a capa com algo dentro.

Ao todo, o processo reúne mais 10,2 mil páginas (somando anexos), 50 horas de gravação de depoimentos, cinco audiências de instrução, 25 réus e mais dois anos de tramitação. Cabe recurso da sentença.

Apesar da condenação dos policiais, o corpo de Amarildo até hoje não foi encontrado. Uma outra investigação continua em andamento para tentar responder o que foi feito com o corpo do pedreiro.

Seu desaparecimento tornou-se símbolo de casos de abuso de autoridade, violência policial e deu origem a diversos protestos.

OUTRO LADO

A defesa de parte dos réus sustentou a tese de que Amarildo teria sido vítima de traficantes de drogas depois de supostamente liberado pelos policiais que o capturaram e levaram à sede da UPP.

As defesas dos réus foram procuradas pela Folha, mas não responderam até a publicação deste texto.


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