Folha de S. Paulo


Após 3 anos, sobreviventes da Kiss fazem tratamento e esperam punição

O veterinário Gustavo Cadore, 34, vive desde 2013 uma rotina de muita tosse, consultas médicas e fisioterapia. Ele passou por sete cirurgias para reparar queimaduras e hoje leva tempo para se recuperar de uma simples gripe.

Assim como ele, dezenas de outros sobreviventes do incêndio da boate Kiss em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas e completa três anos nesta quarta (27), ainda estão às voltas com consequências da tragédia no dia a dia.

Um centro de apoio recebe diariamente sobreviventes no Hospital Universitário da cidade. Cerca de 25 vítimas passam até hoje por sessões de fisioterapia na unidade -algumas delas, várias vezes por semana. Em Porto Alegre, 19 pessoas são acompanhadas no Hospital de Clínicas.

O cuidado frequente é justificado pela gravidade das lesões. Dos cerca de 600 sobreviventes, 90 ficaram seriamente feridos devido à inalação de fumaça tóxica e precisaram ser internados com ventilação mecânica.

O pneumologista Hugo Oliveira, do Hospital de Clínicas, diz que a maior preocupação da equipe é com o risco de bronquiolite, doença que pode se manifestar anos depois. "O resíduo da fuligem aspirada que se mantém [nos pulmões] pode levar a um processo inflamatório. É uma doença tardia, grave", diz.

Segundo Oliveira, os sobreviventes evoluíram bem e retomaram suas atividades. Hoje, diz, um "dano residual" comum é a "hiper-reatividade" nas vias respiratórias, parecida com alergia, que acomete Gustavo Cadore.

"Desde que acordei do coma, não tem um dia em que eu não tenha tosse", conta o veterinário, que ficou internado por 24 dias depois do incêndio e hoje vai à fisioterapia uma vez por semana.

APOIO PSICOLÓGICO

Outro foco da equipe de atendimento é o apoio psicológico. Cerca de 60 vítimas fazem acompanhamento no Hospital Universitário.

Em 2015, foram mais de mil atendimentos na área psicossocial. "Se a vítima apresenta alguma alteração, sinais de desmotivação, mudanças de comportamento na fisioterapia, já recomendamos que seja avaliada", explica a gerente de atenção à saúde do hospital, Soeli Guerra.

Segundo ela, os sobreviventes formaram "grupos de conversa" sobre o trauma. A impunidade é um dos temas que sempre vêm à tona.

A boate

NA JUSTIÇA

A Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes decidiu recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) para que o Brasil seja responsabilizado por não punir envolvidos na tragédia.

Passados três anos, ninguém está preso ou foi condenado pelas mortes relacionadas ao incêndio. São réus sob suspeita de homicídios e tentativas de homicídios o vocalista da banda Gurizada Fandangueira e o produtor do grupo, acusados de manusear o artefato pirotécnico que levou ao fogo, e os dois sócios da casa noturna.

Os quatro prestaram os primeiros depoimentos à Justiça há dois meses

Administrador da boate, o réu Elissandro Spohr afirma que pode ter alguma parcela de culpa, mas sustenta que o funcionamento do local tinha sido autorizado pela prefeitura, o Corpo de Bombeiros e o Ministério Público.
O outro sócio, Mauro Hoffmann, alega que era apenas um investidor da casa.

O vocalista, Marcelo de Jesus dos Santos, diz que usou o artefato com aval da boate, enquanto o produtor Luciano Bonilha Leão fala que apenas cumpria ordens.

Em outro processo, a Justiça gaúcha condenou em 2015 o major dos Bombeiros Gerson da Rosa Pereira por fraude processual. Ele foi acusado de modificar documentos do caso e recorre da decisão.

Na Justiça Militar, foram condenados em dezembro três oficiais dos Bombeiros suspeitos de irregularidades relacionadas à boate. Eles estão em liberdade.

Como foi o incêndio


Endereço da página:

Links no texto: