Folha de S. Paulo


Aniversário de São Paulo marca vida de esportista, fotógrafo e empresário

Um veio de Santa Catarina e venceu regatas em dois rios até então navegáveis –o Tietê e o Jurubatuba, continuação do rio Pinheiros. Outro, nascido no Brás, fotografou uma Catedral da Sé recém-inaugurada e um parque Ibirapuera ainda em obras. Um terceiro, ainda, mantém viva a tradição de um bolo de milhares de pedaços no Bexiga.

Seus feitos marcaram a história das comemorações do aniversário de São Paulo, que completa 462 anos na próxima segunda-feira (25).

*

EM 1954, FESTA TAMBÉM ACONTECIA ÀS MARGENS DO TIETÊ

Uma das lembranças mais importantes do ex-atleta de remo catarinense Francisco Schmitt foi nas comemorações 4° centenário de aniversário de São Paulo, em 1954.

Com apenas 21 anos, Schmitt foi um dos ganhadores de duas das competições de remo que fizeram parte dos eventos esportivos realizados no ano das comemorações dos 400 anos da cidade. Uma das provas foi a regata Forças Armadas e a outra Fundação da Cidade.

As provas aconteceram nas ainda limpas águas do Jurubatuba, continuação do rio Pinheiros, já próximo ao início da represa Billings, na zona sul. O Aldo Luz, clube de regatas com sede em Florianópolis, foi o campeão das duas provas.

A manchete da "Folha da Manhã foi "Dupla vitória dos catarinenses nas competições de Jurubatuba". Em 1960, os três títulos "Folha da Manhã", "Folha da Tarde" e "Folha da Noite" se fundem e surge o jornal Folha de S.Paulo.

Apesar de jovem, seu Chicão, como é chamado por amigos do Aldo Luz, que defendeu por 22 anos, já era uma atleta experiente. Estava em seu quarto ano de competições. "Havia vários clubes de outros estados, como a Bahia e o Espírito Santo", afirmou. Um dos maiores oponentes do Aldo Luz foi Vasco da Gama, representante do Rio de Janeiro, até então capital do país.

Folha da Tarde
19.jan.1954 -
Seu Chicão - terceiro da esquerda para direita em barco out-rigguer com quatro atletas, em 1954

Os treinos eram realizadas no rio Tietê. Para se deslocar até o local de provas, os competidores precisavam ir até o km 29 da rodovia Anchieta. "Naquela época o rio Tietê já era poluído, era difícil para os atletas. A gente tinha de andar aquilo tudo para ir e voltar para treinar, era uma loucura", conta seu Chicão.

Já a hospedagem dos atletas foi no estádio do Pacaembu. "Era um luxo só o local, quase um hotel. O presidente da federação paulista de remo, o médico Ariosto Buller Souto ficou amigo nosso, era uma mordomia danada", relembra.

AS PROVAS

As duas regatas foram realizadas em dias consecutivos, em 24 e 25 de janeiro. Os oito atletas do Aldo Luz, incluindo seu Chicão, usaram um barco modelo out-riggerr. "As provas foram muito difíceis. Estava muito quente, não chovia há dias na cidade", conta.

Seu Chicão era o solta-voga, segundo de trás pra frente do barco. Disputada, a prova Forças Armadas, no dia 24, só foi vencida nos últimos segundos, deixando o Vasco da Gama em segundo lugar. "A minha posição era de avanço, para impulsionar o barco. A primeira ganhamos por pico de prova", relata o ex-atleta, usando a linguagem do remo.

Carlos Alberto Dutra/ Divulgação clube Aldo Luz
Troféu das provas de remo Forças Armadas e Aniversário da Cidade, realizadas em São Paulo em 1954
Troféu das provas de remo Forças Armadas e Aniversário da Cidade, realizadas em São Paulo em 1954

O Aldo Luz emparelhou com o Vasco da Gama desde os 300 até os 1700 metros, para nos 300 metros finais virar sensacionalmente, dando 38 remadas por minuto, e vencer a prova por meio barco de vantagem, conta a reportagem da época.

Já na prova do Aniversário da Cidade o Aldo Luz estava em terceiro lugar e, nos 200 metros finais, superou o Vasco e o clube capixaba Álvares Cabral, que ficou em segundo lugar. "As grandes competições aconteciam de dois em dois anos. Participei de outras suas duas outras provas nos anos seguintes. Durante 10 anos, de 1952 a 1962, não tive uma derrota", relembra seu Chicão.

FORA DAS ÁGUAS

Com 82 anos, seu Chicão ainda guarda boas lembranças da cidade, que viu crescer ao longo dos anos, mesmo morando longe. "Gostava bastante de encontrar amigos encontrava amigos no restaurante do Masp, lá na alameda Santos", disse.

Na década de 1970, ele passou a morar no Rio de Janeiro, onde abriu uma empresa de recrutamento de pessoas, e continuou no remo, no Clube Botafogo. Um dos escritórios da empresa era em um dos prédios da avenida São Luiz, próximo à rua da Consolação e à biblioteca Mário da Andrade, no centro.

Um dos roteiros preferidos naquela época era visitar os parques da cidade, em especial o da Água Branca e o Ibirapuera, além de visitar as instalações do Pacaembu, para relembrar da época de hospedagem dos tempos de remo. "São Paulo é muito grande, a região das represas quase não era povoada na em 1954 e hoje não falta gente por aí".

-

O FOTÓGRAFO OFICIAL DO ANIVERSÁRIO

Marlene Bergamo/Folhapress
COTIDIANO - SAO PAULO - SP - Aniversario de Sao Paulo - German Lorca, o fotografo oficial da comemoraçao de 400 anos da cidade. 20/01//2016- Foto - Marlene Bergamo/ Folhapress - 0717.
German Lorca, o fotografo oficial da comemoraçao de 400 anos da cidade

Cinquenta anos separam imagens da missa da Catedral da Sé, uma das mais tradicionais celebrações do 25 de janeiro, registradas pelas lentes do fotógrafo paulistano, nascido no Brás, German Lorca.

As primeiras fotografias são de 1954, ano de inauguração da catedral, durante as comemorações do 4° Centenário da cidade.

Naquele ano o fotógrafo estava no começo da carreira, quando decidiu largar definitivamente a formação em Ciências Contábeis e montar um estúdio próprio. Era um dos membros do Cine Clube Bandeirante, um dos mais antigos fotoclubes do país.

Convidado pelo colega do Cine Clube, Geraldo de Barros, em conversa com o industrial Ciccillo Matarazzo, Lorca foi o fotógrafo oficial das comemorações. A câmera usada por ele era uma rolleiflex, que usou para tirar fotos dos presentes na missa, como os políticos Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros.

"A única coisa que eu não consegui pegar foi o presidente Getúlio Vargas entrando na Sé. A inauguração foi usada como símbolo de poder. Trouxeram índios do Xingu, colocaram calças neles", relembra o fotógrafo. Os objetivos das fotos, segundo Lorca, foi a produção de uma revista sobre os 400 anos, publicada somente em outubro daquele ano.

Além da missa, Lorca registrou o balé do quarto centenário, e algumas obras ainda inacabadas do parque o Ibirapuera, inaugurado em agosto daquele ano. "Uma das imagens mais marcantes foi a do meu filho com a avó, em frente à Oca andando pelo parque, simbolizando o antigo e o moderno", relembra.

German lorca/Divulgação
ORG XMIT: 192501_0.tif 1954Fotografia:
"A Oca", fotografia de German Lorca tirada em 1954, com seu filho com a avó no Ibirapuera

Outras imagens feitas por Lorca foram do Teatro Experimental do Negro, liderado pelo ator e poeta Abdias do Nascimento. O projeto recrutava negros de diferentes origens para a realização de peças. "Infelizmente essas fotos não saíram na revista", lamenta o fotógrafo.

O segundo registro da missa na Sé foi em 2004, nos festejos dos 450 anos. Desta vez as fotos só foram da missa e de espaços do centro, a máquina usada foi uma Leica de 35mm, que registrou imagens coloridas. "A missa de 1954 foi para pessoas escolhidas da época, já em 2004 a missa foi aberta", disse.

Cerca de 1.300 pessoas estavam na catedral em 2004, mas um aglomerado ficou do lado de fora da missa e precisou assistir à celebração por telões.. Mais de 5 mil pessoas estavam no entorno da praça da Sé, segundo informações da Guarda Civil Metropolitana na época.

As mudanças nos prédios, construções e que passam pelas e avenidas ruas de São Paulo foram temas das fotografias de Lorca. Filho de imigrantes espanhois, o fotógrafo mora hoje no bairro de Moema e mantém um estúdio de fotografia com os filhos na Vila Mariana, na zona sul.

O fotógrafo trabalhou com publicidade, registrando a abertura e fechamento de estabelecimentos e lojas como o Mappin, loja de departamentos que famosa nos anos 1980 para qual já fez campanhas. Além disso, ele fotografou vários espaços da cidade, como as praças da República e Clovis Bevilácqua, o vale do Anhangabaú a avenida São Luiz. "Antes tudo girava em torno do centro, era um círculo, saía para fotografar sem medo de ser atropelado, hoje cada bairro é um centro comercial", conta rindo.

Para Lorca, não houve apenas mudanças na paisagem, com o crescimento da metrópole, mas também no jeito e postura das pessoas fotografadas. "Hoje as pessoas são exigentes para posarem para uma foto, naquele tempo poderíamos fazê-lo sem problemas, havia uma inocência".

-

AOS 82 ANOS, PREPARA 6.000 PEDAÇOS DE BOLO

Marlene Bergamo/Folhapress
COTIDIANO - SAO PAULO - SP - Walter Taverna, idealizador do bolo oficial do aniversario de São Paulo, do bairro do Bexiga. 18/01//2016- Foto - Marlene Bergamo/ Folhapress - 0717.
Walter Taverna, idealizador do bolo oficial do aniversario de São Paulo, do bairro do Bexiga

Sentado em uma das mesas de sua cantina italiana na rua 13 de maio, Walter Taverna planeja mais um "bolo do Bexiga", símbolo das comemorações do aniversário de São Paulo.

Aos 82 anos, seo Walter, como é conhecido, trabalha 18 horas por dia. "É por recomendação médica", diz. Uma das tarefas que se dedica é a organização de festas no Bexiga, para manter as tradições do bairro, segundo ele. O empresário, lamenta, no entanto, que o bolo do Bexiga não seja mais servido inteiro. Neste ano, a distribuição da sobremesa será feita em pedaços separados.

Há oito anos que não ocorre o "avanço ao bolo". Os pedaços eram consumidos em segundos, enfiado em sacolas e baldes e levado por pessoas de diversas partes. A última edição em formato de tabuleiro, em 2008, entrou para o livro dos recordes, o "Guinness", como o maior bolo de aniversário do mundo. "Depois de cantar o parabéns, as pessoas avançavam. Eu gostava porque é uma festa do povo, e ao povo não se pode negar nada".

Mesmo com a falta do bolo inteiro, a festa continuou. "Em 2009, com a falta de patrocínio para a distribuição da sobremesa, pedimos para pintores e grafiteiros desenharem o bolo no chão, representando as comemorações", conta Solang Taverna, filha do empresário. Neste ano, a festa será na rua Rui Barbosa, entre a Conselheiro Carrão e a 13 de maio.
Naquele ano, o programa "Pânico", então transmitido pela RedeTV!, apareceu na festa. Apresentadores fizeram graça com o público e incentivaram uma guerra de comida com os restos que ficaram na mesa. Eles saíram lambuzados de chantili. Depois dessa intervenção, a realização do bolo em forma de tapete foi perdendo patrocínio.

Seo Walter chegou a vender um carro e um apartamento para garantir a comemoração do aniversário da cidade. "Se não houver festa, o bairro morre", afirma. A ideia do bolo surgiu em 1985 e envolvia apenas a comunidade, inclusive para a confecção. O idealizador, Armando Puglisi -o Armandinho do Bexiga- morreu em 1994. O ano seguinte, de 1995, foi o único que não contou com as comemorações, mas seo Walter acabou mantendo a tradição. "Foi um dos momentos mais difíceis para continuar", conta.

Para a edição de 2016, o planejamento da festa começou em agosto do ano passado. Além dos mais de 6.000 pedaços distribuídos, haverá um palco com músicos e a realização de concursos, como o de sósia e o de rainha do Bexiga. A montagem das barracas começará já às 3h da manhã, e a distribuição ocorrerá por volta das 13h. Seo Walter garante que a metragem do bolo continuará igual, com 462 metros, um para cada ano da cidade.

AMOR AO BEXIGA

A história de seo Walter se confunde com a do bairro que nasceu. Neto de sicilianos, o empresário tornou-se responsável pelo Centro de Memória do Bexiga, onde guarda documentos e fotografias do bairro. Mesmo morando na Vila Mariana, seo Walter, onde também é presidente honorário, ainda preserva a tradição do bairro de origem italiana.

A culinária italiana é a maior dedicação de seo Walter. As festas, como a Nossa Senhora de Achiropita, a maior pizza do mundo e o maior pão de filão do mundo são apenas uma dedicações do empresário, que tem nas massas e o macarrão seus pratos preferidos. Em suas cantinas ele costuma fazer o panelaço, batendo tampas de caldeirões para chamar os clientes. "Eu faço essas loucuras para animar as pessoas".

Já a musica, em especial o samba, também é outra paixão do empresário. Amigo pessoal de Adoniran Barbosa, seo Walter fundou juntamente com amigos um dos maiores blocos da cidade, o Esfarrapados, em 1947. Ele também é um dos diretores da escola de Samba Vai-Vai e escreveu o hino do bairro.

Perguntado sobre outros lugares que gosta na cidade, seo Walter não falou de outro bairro. "Sim, tem o Bexiga. Não conheço tão bem outro lugar".


Endereço da página:

Links no texto: