Folha de S. Paulo


Dúvida no abastecimento é de abril de 2017 em diante, diz presidente da Sabesp

Até que ponto vale manter as represas em nível abaixo do normal, assumindo algum risco futuro, para aliviar a situação imediata de milhares de pessoas que ficam sem água durante horas todos os dias na Grande São Paulo?

Para Jerson Kelman, presidente da Sabesp, a decisão é "difícil" e envolve certo grau de "incerteza", mas as projeções da estatal paulista avalizam a decisão de relaxar um pouco no racionamento para sacrificar menos a população.

Segundo ele, há segurança no abastecimento na região até abril de 2017. A partir daí, diz, a expectativa da estatal ligada ao governo Geraldo Alckmin (PSDB) é que uma "cavalaria" de obras planejadas saia do papel e traga mais água à metrópole.

Entre as obras estão a captação de água em um rio na bacia do Tietê, a interligação do rio Paraíba do Sul com o sistema Cantareira e o início da captação nas represas do sistema São Lourenço, no interior do Estado.

"Podemos voltar a uma situação muito ruim? Podemos. Mas, se isso acontecer, estaremos muito melhor preparados do que estávamos antes."

Nas últimas semanas, além de reduzir a quantidade de horas com torneiras secas em alguns bairros, a Sabesp conseguiu aval para ampliar a retirada de água do Cantareira –agora são 19,5 mil litros por segundo, contra 13,5 mil litros no começo de dezembro.

Leia trechos da entrevista concedida à Folha por Kelman, especialista em hidrologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro):

Claudio Belli/Valor/Folhapress
Jerson Kelman, presidente da Sabesp
Jerson Kelman, presidente da Sabesp

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Folha - Qual o sentido de captar mais água no Cantareira?
Jerson Kelman - Não tem muito certo ou errado nessa questão. Uma decisão sobre o quanto sacrifica agora para ter um futuro melhor é sempre uma decisão sobre uma incerteza. Não tem sentido, no meu perceber e com base em simulações, impor um sacrifício maior à população agora em troca de evitar um sacrifício menor no futuro.
Há uma dona Maria que está sofrendo [com cortes de água]. Tenho que me perguntar se o sacrifício que estou impondo a ela é justificável ou não. É uma relação difícil.

O sr. acha que há riscos ao reservatório?
Nós fizemos uma regra de operação baseada no fato de que chegaríamos ao final de 2016 com 5% [do volume útil do Cantareira, contra os atuais 11,9%]. Para chegar nesse nível, não há risco nenhum ao abastecimento [no período de um ano]. Durante o início de 2017 também não haverá problema.
A dúvida está sobre abril de 2017 em diante. Mas, a partir daí, já teremos um monte de obras. É ridículo não levar em consideração que a cavalaria está chegando em 2017. Impor um sacrifício desnecessário à população é sacanagem.
O remédio não pode matar o paciente. Estamos aqui buscando um tratamento que, ao nosso ver, a partir de simulações, é o mais acertado.

O que dizem os cálculos?
Segundo nossas simulações, podemos voltar a uma situação muito ruim? Podemos. Se 2014 se repetir, no próximo junho estaremos na posição que estávamos em junho de 2015, que é muito ruim. Mas, se isso acontecer, primeiro, estaremos muito melhor preparados do que antes.
Segundo, isso não está acontecendo. É claro que a hidrologia de 2014 não vai acontecer [neste ano].
Além disso, se não estivéssemos fazendo obras estruturais, poderia ser que alguém se preocupasse. Mas em 2017 teremos obras novas. Estamos hiper conservadores.

De qualquer forma, a adesão da população ao bônus [na conta para quem economiza água] tem diminuído nos últimos meses. Não preocupa?
A percepção de que se tem mais água faz com que a pessoa, que tinha um comportamento mais cidadão, possa ter um uso de água mais confortável. A saída da crise ocorrerá, e o consumo não será como antes. Mas não há motivo para que as pessoas agora não tenham mais conforto.
A gente não precisa ficar aterrorizando para que fiquem eternamente em crise. Já há um aprendizado. Eu não estou dizendo 'voltem a deixar as torneiras abertas'. Antes, as pessoas sofreram, tinham que tomar banho rápido, a dona Maria tinha que voltar mais cedo para cozinhar. Nós vamos voltar à normalidade.

Há meses o senhor comenta que a empresa trabalha em uma nova estrutura tarifária. Há alguma conclusão?
São vários os problemas que precisam ser resolvidos pela reforma da estrutura tarifária. Um deles, é ampliar a base dos que têm tarifa social, por uma questão de justiça.
Outro problema é a questão dos factíveis [endereços que poderiam estar conectados à rede coletora de esgoto, mas não estão]. Não tem sentido que você dê incentivo [financeiro] para que ele se ligue ao esgoto. Ele deveria pagar uma penalidade por não se ligar.
Há ainda o problema dos veranistas: não tem sentido você fazer toda uma estrutura para que o cliente use apenas dez dias no ano e não pague quase nada por isso.
Também não tem sentido você ter a tarifa de esgoto 20% menor do que a tarifa de água, em algumas cidades. Na realidade, deveria ser o contrário, pois o custo de coletar e tratar o esgoto é muito maior.
A tarifa para o setor público também é excessiva. Não é razoável que um hospital público pague muito mais do que um cidadão.
Tem ainda a questão do fornecimento de água em áreas irregulares.
A sociedade tem carências e a Sabesp tem capacidade técnica para atendê-las. O que falta agora é o recurso para fazer. Não custa muito. Imagine se a classe média, classe alta ou indústrias não poderiam pagar R$ 10 a mais por mês. Claro que sim, não custa nada.
Não dá para arrumar tudo de uma vez. Acho que a lógica de correção dessa estrutura tarifária não deve ser imposta de repente. Você deve ir evoluindo ao longo de, por exemplo, cinco anos.

Até abril deste ano, data da revisão tarifária da Sabesp, teremos novidade nesse sentido?
Não sei. Estamos estudando. Não tem data marcada.


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