Folha de S. Paulo


Fornecimento de comida a presos é alvo de investigação na Grande SP

Com gastos do governo paulista que ultrapassam R$ 200 milhões por ano, a alimentação dos presos na Grande SP é alvo de investigação por suspeita de irregularidades que incluem pagamentos indevidos e "quentinhas" menores e de qualidade inferior ao previsto em contrato.

Em um dos casos, a fiscalização da Secretaria da Administração Penitenciária verificou em 2015 que, em vez da entrega de marmitex com 100 g de carne bovina, 150 g de frango ou 120 g de peixe, a empresa responsável enviara só 63 g –e de carne suína, não prevista em contrato.

Nessa mesma unidade, em Itapecerica da Serra, a entrega de presentes natalinos pela fornecedora das refeições à cúpula do CDP (Centro de Detenção Provisória) foi fotografada no final do ano.

Alimentação nos presídios

O diretor Claudinei Teixeira de Souza acabou exonerado do cargo pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB), por ordem do secretário Lourival Gomes (Administração Penitenciária), após a pasta ser questionada pela Folha.

No CDP de Vila Independência (zona sul), imagens registradas por agentes penitenciários mostram "quentinhas" enviadas ao presos misturadas a prego e a restos de frango (como cabeça).

Vistorias do TCE (Tribunal de Contas do Estado) nas unidades prisionais apontaram, além de má qualidade, pagamentos por um número de refeições maior do que a população carcerária existente.

PATRIMÔNIO

Até setembro de 2015, quem cuidava dos contratos com as empresas de "quentinhas" na Grande SP era Hugo Berni Neto, servidor que saiu do cargo de coordenador das 28 unidades prisionais após a Folha mostrar que, em dois anos, empresa de sua família adquiriu patrimônio milionário em imóveis.

Agora, a Secretaria da Administração Penitenciária afirma estar verificando todos os contratos de alimentação que antes eram de responsabilidade de Berni.

Promotores também investigam superfaturamento no fornecimento de alimentos ao CDP Belém 1, em contrato com empresa suspeita de fraude em licitações de municípios paulistas, no caso conhecido como máfia da merenda.

Os gastos com as refeições dos presos apresentam variações significativas dependendo da unidade prisional.

Em outubro, a diária por preso no CDP Vila Independência era de R$ 15,26 e no CDP de Pinheiros 4 (zona oeste), de R$ 13,60. Já na Penitenciária 1 de Franco da Rocha, limitava-se a R$ 8,07.

A diferença de preço é justificada pelo Estado devido à modalidade do contrato.

No caso das duas primeiras unidades, as "quentinhas" chegam prontas. Em Franco da Rocha, a empresa contrata os presos para fazer a comida e arca com os custos de manter a cozinha.

Unidades que gastam mais por preso não necessariamente têm comida melhor. Pelo contrário, dizem funcionários do sistema prisional entrevistados e que se alimentam no local de trabalho.

O cardápio básico no Estado é de três refeições diárias –em algumas unidades, há uma quarta, um lanche da tarde. No almoço e no jantar, a dieta é composta por arroz, feijão, guarnição, salada, suco e sobremesa.

O conselheiro Antônio Roque Citadini fez questionamentos sobre o cardápio em sessão do TCE.

"São tantas as alternativas de pratos para a comida dos presos que eu tenho a impressão de que ou os presos estão com problemas por estarem muito gordos de tanto que estão comendo ou eles não estão comendo nada."

OUTRO LADO

A SAP (Secretaria de Estado da Administração Penitenciária) afirma que abriu investigação em 2015 para apurar todos os contratos de alimentação das unidades prisionais da Grande São Paulo. Atualmente, a corregedoria da SAP realiza trabalho de coleta de provas e depoimentos.

Questionada sobre refeições estragadas e com prego, a pasta afirmou que fiscaliza os alimentos entregues e que, em caso de irregularidade, as empresas sofrem sanções contratuais e têm de repor os produtos no mesmo dia.

Sobre as diferenças nos valores dos alimentos, a pasta diz que "os preços das refeições podem sofrer alterações entre as unidades prisionais, pois são referentes a processos licitatórios ocorridos em diferentes épocas".
Os reajustes também seguem, nesses casos, índices diferentes.

Por isso, considera equivocado comparar preços dos alimentos das unidades.

A pasta afirma ainda que segue as regras da Secretaria de Estado da Fazenda e que as novas unidades são construídas com cozinha –para "diminuir os custos" do Estado e contribuir com a "reintegração social da pessoa presa, que adquire experiência profissional e em liberdade pode trabalhar em cozinhas industriais e restaurantes".

Nas próximas licitações, a secretaria afirma que irá seguir recomendação do TCE (Tribunal de Contas do Estado) para que haja um cardápio único no Estado.

EMPRESAS

As empresas afirmam que os valores cobrados obedecem a limites do Estado.

A Health, fornecedora do CDP de Itapecerica da Serra, também diz atuar "com observância e adequação tanto da qualidade como da quantidade, de acordo com os meandros legais, contratuais e administrativos praticados".

Sobre a fiscalização que apontou a entrega de quantidade menor de mistura e de tipo não previsto em cardápio, a Health diz seguir padrão estipulado e que esse tipo de "carne em nada desnatura ou prejudica as partes contratantes, pelo contrário, trata-se de corte de notável qualidade para consumo, resultando em vantagem ao estabelecimento prisional".

Questionada, a empresa não comentou sobre os presentes natalinos enviados ao CDP de Itapecerica da Serra, que levaram à exoneração do diretor da unidade.

A Real Food, fornecedora do CDP de Vila Independência, afirmou desconhecer a informação sobre refeições fotografadas por agentes com prego e restos de frango.

Diz seguir padrões de qualidade e que sua responsabilidade vai "até o momento do recebimento e conferência da alimentação na unidade".

Sobre a variação de preços, diz que está ligada diretamente à estrutura de trabalho, dentre outros fatores.

O ex-coordenador das prisões Hugo Berni Neto nega que seu enriquecimento tenha ligação com a sua atuação na secretaria.

Claudinei Teixeira de Souza, ex-diretor do CDP de Itapecerica, não foi localizado.


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