Folha de S. Paulo


Fim da cracolândia levará ao menos 2 anos, diz diretor da polícia antidrogas

Zanone Fraissat/Folhapress
Concentração de usuários de drogas na rua Dino Bueno, na região conhecida como cracolândia, em SP
Concentração de usuários de drogas na rua Dino Bueno, na região conhecida como cracolândia, em SP

O departamento antidrogas da Polícia Civil de São Paulo avalia que precisa de mais dois anos, "no mínimo", para conseguir desmontar a rede de tráfico de drogas na cracolândia, no centro da cidade.

A expectativa é do próprio diretor do Denarc (departamento de narcóticos), Ruy Ferraz Fontes, um ano após ter assumido esse posto no governo Geraldo Alckmin (PSDB).

Para ele, a consolidação da área como reduto de viciados e traficantes de crack nas últimas décadas e a influência da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) no comércio de drogas naqueles quarteirões se tornaram empecilhos para uma solução rápida do problema.

"Mais dois anos, no mínimo. Aquilo está constituído há muito tempo e não é possível desmontar de uma hora para a outra. Um problema seríssimo é a influência do PCC lá dentro", disse Fontes, em entrevista à Folha.

A cracolândia foi alvo nas últimas duas décadas de repetidas ações e planos de prefeitura e Estado com a justificativa de controle do tráfico e redução do fluxo de viciados.

A maioria, porém, fracassou ou teve pouco efeito: a região segue degradada e dominada por traficantes e dependentes, que usam crack a céu aberto e à luz do dia.

As gestões Fernando Haddad (PT) e Alckmin chegaram a remover a "favelinha" de barracas de plástico símbolo do tráfico de drogas, mas ela ressurgiu meses depois.

O diretor do Denarc afirma haver ao menos 40 grupos de traficantes atuando simultaneamente para abastecer a cracolândia –e que eles são automaticamente substituídos quando algum é preso.

Em 2015, foram realizadas 33 operações na região e desmontados três grandes grupos criminosos, além de outros pequenos. Foram presos 56 adultos e apreendidos 2 adolescentes. "Não vamos desistir nunca. Enquanto estiver aquele fluxo lá, vamos mexer."

Fontes assumiu a chefia do Denarc em janeiro de 2015. Em 12 meses, apreendeu uma quantidade recorde de maconha: 23 toneladas, alta de 360% em relação às 5 toneladas apreendidas em 2014.

Os dados envolvendo crack são emblemáticos: todos os 103 kg apreendidos pelo departamento no ano passado eram destinados à cracolândia do centro de São Paulo.

Trata-se de droga suficiente para a produção de 300 mil pedras –segundo a polícia, um único traficante chega a vender até 3.000 pedras da droga em único dia por lá.

O delegado afirma que embora a cracolândia seja controlada pelo PCC, a facção criminosa não é dona da droga.

"Ele [PCC] não vende o crack. Ele quer que tenha algum representante que organize a venda lá para que não haja morte. Ele não quer que chame a atenção porque ele tem interesse no tráfico de outras drogas no entorno."

Segundo Fontes, esse controle do tráfico de drogas na cracolândia se estende ao domínio de parte dos hotéis que participam do programa "Braços Abertos", da prefeitura, lançado em 2014.

Esse projeto da gestão Haddad oferece moradia e R$ 15 por dia de trabalho de varrição a dependentes de droga.

Dois estabelecimentos já foram descredenciados pela prefeitura a pedido da polícia, que prepara agora uma nova ofensiva nesses locais que se tornaram pontos de consumo e distribuição de drogas.

Leia abaixo trechos da entrevista do diretor.

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Restruturação do Denarc
Transferi 50% dos policiais que trabalhavam aqui, cem dos 200 que trabalham no Denarc. É bom oxigenar.
A gente teve que criar um procedimento [diante da imagem negativa do departamento por suspeita de envolvimento de policiais com traficantes] em que a fiscalização fosse muito rigorosa e deixasse visível o que estava acontecendo. Vamos evitar tudo? Claro que não. Vez ou outra, teremos dor de cabeça. O que pode ficar claro é que a administração não concorda.
A cultura que tinha implantada aqui não era a cultura ideal, era muito libertária, cada um fazia o que queria. Não havia coesão.

Estrutura
Se eu conseguisse arrancar 40 traficantes de uma vez da cracolândia e a prefeitura entrasse com uma força de trabalho criando um cinturão impedindo que alguém entrasse lá depois da vacância criada ali, talvez a gente tivesse uma eficácia melhor.
Posso parar quatro delegacias para fazer uma operação ali, mas a Justiça não tem de onde tirar gente para atender nossas solicitações porque é inviável. Estou falando de 500 telefones grampeados.
Vamos sentar com o juiz corregedor para a gente tentar atingir essa meta.

Mercado financeiro
[Para um combate mais eficaz ao tráfico de drogas], a gente poderia melhorar a legislação para ter mais acesso a dados importantes à investigação. Dados ligados ao mercado financeiro, porque a gente verificou que eles [traficantes de drogas] estão aplicando no mercado financeiro.
Por exemplo, para lidar com quebra de sigilo bancário, pode demorar até 40 dias para ter resposta. Dependendo da urgência, o ideal seria menos de uma semana.
Outra coisa importantíssima é estabelecer convênios com outros países. Hoje, em 15 minutos o bandido manda o dinheiro para a China e Estados Unidos. Para a gente obter a informação do caminho que esse dinheiro percorreu leva meses.

Recursos
[Desde os anos 1990], vi um tráfico que só se organizava para a venda externa porque era muito mais lucrativo.
Com o advento dessa organização criminosa [PCC], houve uma organização muito forte para adquirir, trazer e distribuir a droga aqui dentro. Se tornou muito mais lucrativo vender a droga também dentro do Brasil.
A gente precisa avançar com a legislação, precisa da ajuda da sociedade no combate e encaminhamento dos familiares viciados porque, se existe uma demanda, é porque existe um viciado.
Dependemos também de todo o conjunto responsável pela repressão: o Judiciário e o Ministério Público. Esses três protagonistas precisam estar bem integrados.
Os recursos destinados a isso, de maneira geral, tanto no Ministério Público quanto na Justiça e polícia, não são do tamanho do problema ainda.

Ações na Cracolândia


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