Folha de S. Paulo


Licenças para captação de águas profundas crescem 77% em 2015

Eduardo Anizelli/Folhapress
A seca atingiu a produção dos poços do jardineiro Cláudio Creace, 42, em Valinhos (SP)
A seca atingiu a produção dos poços do jardineiro Cláudio Creace, 42, em Valinhos (SP)

Em plena crise hídrica, a concessão de licenças para a perfuração de poços profundos –com mais de 30 metros de profundidade– aumentou 77,2% no ano passado.

Por outro lado, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) reduziu em 36,9% as autorizações para captação de água em rios e em poços menos profundos no Estado em 2015.

Os dados, obtidos pela Folha com o Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica), referem-se aos 11 primeiros meses de 2015 em relação a igual período de 2014.

As duas situações são preocupantes, segundo especialistas ouvidos pela Folha. No primeiro caso, é preciso controle para evitar danos futuros nos lençóis de águas profundas. No outro, somente a redução de licenças pode ser insuficiente para preservar os mananciais de água.

Infográfico: Licença para água

As mudanças nos números também estão ligadas: em maio de 2014, o Daee suspendeu a análise de novos pedidos de captação de água de rios e poços com menos de 30m de profundidade.

Com isso, "o que sobrou para empresas, indústrias e condomínios foram os poços mais profundos, que se tornaram portos seguros", afirma Carlos Eduardo Quaglia Giampá, conselheiro da Abas (Associação Brasileira de Águas Subterrâneas) e membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos.

PERFURAÇÕES

Para o professor da faculdade de engenharia ambiental da PUC-Campinas Rodrigo Urban, um dos problemas do aumento das outorgas para perfuração é que faltam espaços para recarga de água nos lençóis freáticos (mais superficiais) e subterrâneos.

Na região das bacias dos rios PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí), uma das mais atingidas pela crise, por exemplo, o lençol freático rebaixou cerca de 50 metros na estiagem, de acordo com o Consórcio PCJ.
O rebaixamento do nível do lençol freático provoca, entre outros problemas, a secura dos poços.

A região tem apenas 12,6% do seu território com florestas nativas. Segundo especialistas, nas cidades apenas 10% da água da chuva é infiltrada no solo, enquanto em áreas florestais o percentual chega a 90%.

Para a recuperação do lençol freático da região, que tem 15 mil km² de área e abrange 70 municípios, seria necessário uma quantidade de água equivalente a quase meio Cantareira -491 bilhões de litros, segundo o Consórcio PCJ.

"A recarga em um lençol freático pode demorar até dois anos. Chuvas fortes não bastam. Elas precisam ser volumosas e contínuas", afirma a docente Sueli Yoshinaga Pereira, do Instituto de Geociências da Unicamp.

Em Valinhos (cerca de 20 km de Campinas), o poço de 10 metros da propriedade do jardineiro Cláudio Creace, 42, secou. Outro de 18 metros teve a produção diária de água reduzida de 3.000 litros para os atuais 1.000 litros.

"Foi a primeira vez que o poço secou. Nunca tínhamos registrado isso", disse Creace. "As propriedades vizinhas também tiveram problema."

A exploração sem controle dos poços subterrâneos é a principal preocupação dos especialistas. Segundo donos de empresas perfuradoras de poços, é muito difícil uma outorga de captação ser negada para poço profundo.

O Daee não informou quantas dessas outorgas foram concedidas em 2015. De acordo com duas empresas consultadas, as perfurações estão alcançando até 400 metros de profundidade.
"A captação em poços de água subterrânea é uma medida emergencial. Não dá para continuar por muitos anos", disse o professor Urban.

Na região do Alto Tietê, que abrange a capital paulista, um estudo será feito para mapear áreas com maior concentração de água subterrânea. A informação é do secretário-executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, Amauri Polacchi.

"Esse levantamento será na bacia do rio Paquirivu-Guaçu, onde há mais concentração de água subterrânea em relação ao restante da região, que é muito pobre tanto em lençóis freáticos como subterrâneos", disse.

Colaborou FABRÍCIO LOBEL, de São Paulo


Endereço da página: