Folha de S. Paulo


Volume morto é prefácio de clima cada vez mais extremo, diz ambientalista

Mesmo com a saída do Cantareira de seu volume morto , o prognóstico é que grandes cidades como São Paulo continuem sob o risco de fenômenos climáticos cada vez mais intensos, diz o ambientalista e presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, Carlos Bocuhy.

Para ele, a atual crise hídrica vivida em São Paulo, que há quase dois anos deixa milhares de pessoas com torneiras secas, é apenas um prefácio de anos com clima mais rigoroso.

Folha: Qual a origem da crise hídrica em São Paulo?

Carlos Bocuhy: Cada vez mais, os reservatórios de São Paulo têm uma capacidade menor de recarga [de repor água]. E quando se desguarnece os mananciais e, além disso, o sistema hidrológico [de chuvas] estã enloluquecido, você tem a situação de crise.

Outro problema é que a Sabesp vende água. A empresa coloca a água como mercadoria e presta satisfação a seus acionistas. Não tem a perspectiva de proteção de água, mas de venda dela. Tanto que os contratos de demanda firme [contratos especiais da Sabesp com grandes consumidores] incentivavam que se consumisse mais.

Dá para afirmar que a crise está superada?
Não. Nós estamos no início do grande desafio de sustabilidade das grandes cidades no mundo. Com as mudanças climáticas, teremos sistemas cada vez mais imprevisíveis. A crise hídrica de São Paulo é só o começo, um sinal de um processo futuro.

O Cantareira agora está saindo do volume morto. Qual é a importância deste fato?

O volume morto é uma reserva técnica e não deveria ser explorado. Ele é uma margem de segurança para deixar o reservatório equilibrado, sob o ponto de vista da diluição de poluentes e da recomposição do ecossistema.

De qualquer forma, se você considerar que o Cantareira abastecia quase 9 milhões de pessoas e agora está abastecendo 5 milhões, tem que observar que esta água está saindo de outro reservatório. E quem está suprindo o Cantareira é o Alto Tietê, que está sendo sacrificado. Essa conta não fecha.

O que aconteceu é que [com a integração de represas] nós criamos um 'aquanel', mas precisamos fazer essa conta de forma conjunta. Temos que perceber que estamos, cada vez mais, retirando água de outras regiões e cada vez mai longe. É uma atitude vampiresca.

É possível garantir que o volume morto não seja usado novamente?

Acho importante não olharmos apenas para o Cantareira e o volume morto. Temos que ter uma visão mais global. Os reservatórios estão cada vez mais assoreados. Além disso, não conseguimos aproveitar os rios Tietê e Tamanduateí para nada, nem mesmo para embelezamento da cidade. Eles estão mortos.


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