Folha de S. Paulo


'Barragem que se rompeu não voltará a funcionar', diz presidente da Samarco

Alexandre Rezende/Folhapress
O presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, em entrevista na sede da empresa em Belo Horizonte
O presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, em entrevista na sede da empresa em Belo Horizonte

Mesmo que a mineradora Samarco volte a operar em Mariana nos próximos anos, a barragem que ruiu em 5 de novembro, deixando ao menos 17 mortos, não deverá ser reerguida.

"Não é a nossa intenção voltar a construir naquele local, até por tudo o que esse acidente representou e representa para a empresa", afirma Ricardo Vescovi, 45, diretor presidente da Samarco.

Em entrevista de um hora concedida na quarta-feira (23), na sede da mineradora em Belo Horizonte, onde também fica a Vale (coacionista da empresa ao lado da anglo-australiana BHP Billiton), Vescovi deixou em aberto questões sobre os problemas na estrutura que ruiu e as falhas no plano de emergência.

Em pelo menos cinco ocasiões, evitou dar respostas diretas, com o argumento de que algo só será esclarecido no processo de investigação. Em outras cinco passagens, limitou-se a repisar que a mineradora cumpria no prazo tudo que lhe fora exigido de órgãos oficiais no processo de licenciamento.

Vescovi não confirmou que as barragem de Fundão, rompida, e a vizinha, Germano, estivessem sendo unificados, diferentemente do que o coordenador de meio ambiente da Samarco, Euzimar Rosado, informou no próprio dia da tragédia ao fiscais da Secretaria de Meio Ambiente, segundo auto de fiscalização do órgão.

Disse que eram trabalhos de preparação para alteamentos (elevação da parede). E negou que a pilha de rejeitos da Vale, vizinha de Fundão, tenha contribuído para desestabilizar a barragem.

Por sete vezes, respondeu que as causas da tragédia ainda estão sendo investigadas. Em dois momentos da entrevista, ficou com os olhos marejados.

O futuro da empresa, para o engenheiro, terá de ser discutido com a sociedade.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

Folha - O rompimento da barragem de Fundão, no dia 5 de novembro, em Mariana, fez ao menos 17 mortes (dois corpos ainda não foram encontrados). Das 19 vítimas, cinco eram moradores de Bento Rodrigues, e 14, trabalhadores que estavam na barragem. O que deveria ter sido feito para tentar impedir especialmente essas cinco mortes de pessoas que estavam a cerca de 20 km do desastre?

Ricardo Vescovi - A Samarco sempre contratou planos de emergência de atendimento com empresas especializadas, seguiu os protocolos, entregou às autoridades. No dia do acidente nós seguimos o que estava escrito no plano de emergência que tinha sido treinado internamente. Agora, nós perdemos vidas. A Samarco é uma empresa em que a saúde e a segurança são coisas muito sérias. A gente é líder nacional e um dos líderes mundiais em saúde e segurança do trabalho. Sempre adotamos o que fosse de melhor. Não podemos admitir que tenhamos perdido vidas. A gente tem que voltar, estudar, rever, pensar o que teve de acerto o que teve de erro nesse processo todo, para que a gente possa aprender com ele. E não só nós, toda a indústria no Brasil e no mundo, sobre o que pode ter dado errado.

A pergunta é justamente essa: o que deu de errado?

Nesse momento, nosso foco principal, desde o primeiro dia, e já são 48 dias extensos para a gente fazer ajuda humanitária, mitigação de impacto ambiental e estabilização das estruturas remanescentes. Esse tem sido o nosso foco. Acho que temos que aprender, como já estamos aprendendo muito com tudo que tem acontecido, certamente, observar o que não deu certo e o que falhou nesse plano de emergência. Neste momento, nós estabelecemos com a Defesa Civil novos procedimentos de monitoramento, não só de monitoramento das estruturas remanescentes, como também de aviso à população. Isso tudo já faz parte desse aprendizado. Agora, sempre em conjunto com os órgãos responsáveis, sempre junto com a Defesa Civil, nunca fazendo nada que seja só da nossa vontade sem que os órgãos estejam avisados.

Em um acidente desse tipo, a participação da Defesa Civil é a posteriori, no momento da emergência, as atitudes imediatas têm que ser da empresa.

De fato, nós tomamos todas as atitudes que nós deveríamos ter tomado conforme nosso plano de emergência. As pessoas foram, certamente, quando a gente fala das pessoas serem avisadas seja por telefonemas, seja por telefonemas das autoridades, seja pelo rádio da Samarco na faixa quatro, que é a faixa de emergência, é incontroverso que as pessoas foram de alguma maneira avisadas sim. Perdemos vidas, mas outras vidas foram salvas e isso aí também faz parte da análise, da investigação, do aprendizado.

Houve telefonemas de funcionários da Samarco para moradores?

Isso faz parte da investigação. Eu estou te falando aqui, seja de telefonema para moradores, seja por telefonema para autoridades, seja por rádio na faixa quatro, moradores foram avisados ou de alguma maneira se mobilizaram para fazer o salvamento.

Vou insistir nesta questão porque o Germano Lopes, diretor da empresa, disse que houve ligação para moradores. Quem da Samarco ligou? Qual morador recebeu ligação?

Volto a te dizer, isso tudo faz parte desse processo de investigação que está sendo feito agora. O que eu acho que é incontroverso é que as pessoas foram avisadas, seja pela Samarco, seja pelas autoridades, seja pelo rádio na faixa quatro. O rádio da Samarco, na faixa quatro é a faixa de emergência, essa faixa funcionou no dia.

O que é essa faixa quatro?

É a faixa de comunicação dentro da empresa e nas imediações. Volto a te dizer, seja de um jeito ou de outro, as pessoas foram avisadas porque houve salvamento. Nós não estamos satisfeitos com isso porque nós perdemos vida, isso tem que ser investigado mesmo.

Houve mortes. O plano de salvamento para os moradores falhou em algum momento?

Eu não estou afirmando que ele falhou. Eu, como diretor presidente da Samarco, não posso ficar satisfeito com uma situação em que se perderam vidas. Estou falando das vidas da comunidade, mas estou falando de 14 trabalhadores que estavam lá. É o que eu tenho falado desde o começo: no momento, nosso foco está na ajuda humanitária, no meio ambiente. Essas questões de investigação, elas estão ocorrendo também, e a gente precisa chegar nas causas. Desde as causas de ruptura abrupta e imediata da parede da barragem de Fundão até a execução do plano de emergência, e a gente está colaborando com as investigações em todos os sentidos.

Como está sendo feito esse processo de investigação? Vocês têm uma estimativa de quando vai ter uma conclusão?

Ele está sendo feito por órgãos da sociedade. A Polícia Civil está fazendo o seu dever de investigar. Internamente a gente está fazendo investigação utilizando expertise de técnicos nacionais e internacionais contratados através de um escritório que está tomando conta de toda essa análise. Eu acredito que, aí é só uma inferência, porque eu também não sou especialista em investigar situações dessa natureza, mas eu acredito que, pela coletânea de disciplinas que se estuda quando se faz uma análise dessa, não é algo para ser feito em semanas. Acho que é coisa para ser feita em meses. Acredito que de seis meses a um ano.

Você está deixando claro que a empresa se sente plenamente responsável pelo ocorrido. Nesse sentido, por que demorou o pedido oficial de desculpas?

Em primeiro lugar, acho importante voltar à questão: as causas ainda estão sendo apuradas. Significa que nós ainda não sabemos o que aconteceu exatamente naquele dia. Na entrevista coletiva logo no segundo dia de acidente, em nenhum momento nós deixamos de dizer o quanto que nós lamentávamos e quanto estávamos consternados com o que tinha acontecido. Desde o primeiro momento, nós falamos disso com a população que estava envolvida e com os familiares. Estamos desde esse primeiro momento tratando de causas humanitárias e causas ambientais, desde o primeiro momento ao acolhermos as pessoas na Arena de Mariana, as pessoas não ficaram na arena, foram para hotéis e pousadas. Hoje, cerca de 95% dessas pessoas já foram para casas alugadas. Somos nós tentando fazer com que essas famílias tenham um pouco mais de conforto humano. Atendimento psicossocial para todas as famílias, mais de 800 atendimentos psicossociais, as famílias estão sendo alocadas em casas que estão sendo alugadas, que estão sendo mobiliadas com televisão, fogão, geladeira, roupa de cama, talheres, tudo preparado para aquela família, de acordo com o que foi apurado nos diálogos sociais, e desde do primeiro dia nós estamos engajados. Nós já estamos fazendo a distribuição do cartão que você pode fazer compras no comércio local, com um salário mínimo e 20% de acréscimo por dependente, a cesta básica, estamos com um programa de alocação de geração de emprego e renda para as pessoas que querem trabalhar em empresas da região, que estão inclusive prestando serviços em várias situações destas decorrentes do acidente. Estamos trabalhando com uma comissão das pessoas afetadas, uma governança para que a gente possa fazer a construção da nova vila de Bento Rodrigues, de Paracatu e, eventualmente, de Gesteira, que é outra comunidade. Nós temos reuniões semanais, três vezes por semana, às vezes até mais, diretamente com a comunidade para ouvir exatamente deles o que é necessário para que eles tenham mais conforto.

Existe um aspecto simbólico que é o chamado pedido de desculpas.

Sim, e foi feito.

Até onde a gente sabe em entrevista ao programa "Fantástico", da TV Globo, 17 dias depois.

Não, foi feito já no segundo dia quando nós estivemos reunidos nessa entrevista coletiva, lá perto da Arena Mariana. Ali nós mostramos como nós lamentávamos, como nós estávamos consternados, falamos com as famílias inclusive, com a comunidade com representantes que estavam lá, viemos falando o tempo todo.

Cinco por cento das famílias ainda estão em hotéis. Quantas famílias são, exatamente?

Isso muda todo dia. Existem casos de pessoas que não querem sair do hotel agora. Tudo é acordado, nada é imposto e tem a participação da Samarco, da comunidade, do Ministério Público. Estão participando desse processo a Prefeitura de Mariana, a Secretaria de Assistência Social. As pessoas escolhem as casas. Como é esse processo? No primeiro dia, quando as pessoas foram sendo removidas para hotéis e pousadas, ao mesmo tempo uma equipe da Samarco estava mapeando casas que pudessem ser alugadas na região. Nós chegamos a mais de 700 imóveis, peneiramos, escolhemos aqueles que estavam em boas condições, e aí as pessoas vão aos imóveis, visitam, escolhem o que desejam e nós preparamos o imóvel para a família.

Vocês já fizeram balanço do quanto já foi gasto com isso?

Não é prioridade até agora. A gente não está poupando recurso para fazer o que deve ser feito.

Quantas famílias estão recebendo salário mínimo e cestas básicas?

A assessoria pode te passar [foram distribuídos 819 cartões de auxílio financeiro para famílias de Mariana, de Barra Longa e de ribeirinhos, segundo a assessoria da Samarco]. Também existem famílias em Barra Longa que foram afetadas em suas casas e estão recebendo o mesmo tratamento das famílias de Mariana. E também está sendo feito o cadastro das populações ribeirinhas. Muitos que já foram cadastrados já receberam o cartão, o mesmo cartão com salário, 20% e cesta básica da população ribeirinha que, por algum motivo, tinha sua renda relacionada ao rio.

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A União e os Estados de Minas e Espírito Santo anunciaram uma ação civil pedindo a criação de um fundo de R$ 20 bilhões. Qual o patrimônio da empresa? Ela teria condições de suportar uma carga desse tipo nesse momento, sem geração de caixa?

Mesmo passando por um momento difícil, como esse sem geração de caixa, a empresa tem uma reputação de 38 anos, que dá a ela a credibilidade para lidar e negociar em situações adversas como essa. Inclusive tem ativos. Vai chegar um momento em que as partes vão sentar e discutir o que de fato é feito dentro desse escopo da ação. Eu não sei se são R$ 20 bilhões, se são 10, se são 15, se são 25. O que eu tenho visto tanto da atuação do Ministério Público Estadual, de Minas Gerais, Espírito Santo, Ministério Público Federal, AGU, é que todo mundo quer a mesma coisa. Todos, assim como a Samarco, querem a mesma coisa: remediação ambiental e humana, na medida em que for possível. Como eu coloquei, nós perdemos vidas nesse processo e isso não tem preço. Mas todos querem a mesma coisa. Eu acho que essas coisas vão confluir para que a gente possa dar conta disso tudo. O que importa para sociedade é que a empresa dê conta disso tudo.

Suponhamos que sejam R$ 20 bilhões. É suportável por esses ativos que você mencionou?

É lógico que isso tudo vai depender. Em tese, sim, mas tudo vai depender de como isso é desembolsado no tempo. Você vai desembolsar R$ 20 bilhões em seis meses, em um ano, em cinco anos, em dez anos? Como isso é feito? De que forma isso é feito? Tem toda uma engenharia financeira que tem que ser colocada para ser praticada, porque como eu falei, uma coisa é você pedir que alguém desembolse R$ 20 bilhões em um dia, outra coisa é você ter um fluxo de caixa, outra coisa é saber como é que vai ser. Vai ter geração de caixa ou não vai ter? Isso é outra discussão que não estamos focados nela agora, por causa desses focos que eu coloquei logo no começo da nossa conversa, mas em algum momento isso vai ter que ser discutido também. Isso vai ser discutido com a sociedade, porque para uma empresa existir ela tem que ter dois fatores primordiais: o primeiro é alguém querer que ela exista. O segundo é que a sociedade permita que ela exista.

O que está por trás é que essa carga seja tão pesada que a empresa encerre suas atividades. Isso é possível?

Eu não conto com ela. Eu conto com a possibilidade de que nós vamos dar conta disso tudo, no prazo certo, da forma correta, conforme for acordado nas ações que a gente discutiu com a Justiça na suas várias esferas, no seus vários ângulos. Eu conto com a possibilidade da Samarco dar conta disso tudo.

Vai ser possível reconstruir Fundão para voltar a funcionar?

Essa não é a nossa intenção. A empresa não tem intenção de voltar a operar na barragem de Fundão. A gente tem que pensar sim, no momento certo, a gente tem que pensar em quais são as formas de a Samarco voltar a operar, e aí a gente tem que pensar de que maneira a gente pode se dar isso. Eu não vejo agora. Não é a nossa intenção voltar a construir uma barragem naquele local, até por tudo o que esse acidente representou e representa para gente na própria empresa. Você pode ter certeza plena disso. Esse acidente representa para a Samarco muito em 38 anos de existência dessa empresa, representa para empresa algo que não dá para dimensionar para vocês com palavras. Representa para as pessoas que trabalham para empresa. A Samarco é uma empresa que tem pessoas que, a maior parte de nós, eu, inclusive, fizemos carreira aqui dentro, eu comecei aqui como estagiário, carregando balde. A maior parte de nós constrói a carreira aqui, não porque não tem oportunidades em outros lugares, porque gosta desse local de trabalho, se sente respeitado aqui. A gente tem três valores na Samarco que estão dentro do coração da gente: respeito às pessoas, integridade, ser íntegro, transparente, dizer a verdade, não ter atalho para as coisas, e mobilização para resultados. Essas três coisas estão dentro da gente e a gente tem isso dentro da gente. E sentir esse respeito pela empresa, a Samarco prega isso, e para que a gente siga feliz aqui, quem não tem esses valores desenvolve isso, se torna isso, e gosta disso, então, para todos nós que vivemos essa empresa, no meu caso, 23 anos, e outras pessoas mais ou menos tempo, mas já sentem isso, esse acidente significou muito para gente.

É o maior desafio da carreira do senhor?

Certamente. É o maior desafio da minha carreira e eu me sinto preparado para ele. Estou aqui liderando. Acho que é o que tem que ser feito, engajando as pessoas, passando às pessoas confiança, passando principalmente todos os dias respeito aos nossos valores, e esses três valores são os valores que construíram a Samarco, nós crescemos, nos tornamos uma grande empresa com esses três valores. Nesse momento de crise difícil que a gente está passando, são esses três valores que nós estamos, no campo, trabalhando todo dia. Estamos no campo sendo íntegros e muito mobilizados. Funcionários da Samarco, logo nos primeiros dias, se voluntariaram para trabalhar, continuam voluntários no campo, as pessoas me ligavam: "O que eu preciso fazer? Me dá uma pá, uma enxada, um pano, um balde, eu quero ajudar as pessoas". Com esse nível de mobilização, eles sentem isso muito. O que eu tenho falado para as pessoas: são esses mesmos três valores que nos trouxeram até aqui que estão no servindo na crise. São os três valores que vão nos reerguer. Sobre esses três valores nós vamos nos reerguer. Para isso nós precisamos tê-los conosco e os praticarmos. É o maior desafio da minha carreira, sim, estou aqui liderando todo dia em jornadas de sete dias da semana. Não tem interrupção, são extensas, mas estou satisfeito por estar de fato conseguindo liderar as pessoas, engajá-las para fazer o que tem que ser feito, que é o que a gente tem que fazer.

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Um relatório de inspeção da empresa VOGBR, feito em julho, listava um histórico de problemas em Fundão. Em 2014, a Samarco aumentou a produção de rejeitos em 32%. Em 2015, a empresa vinha nesse ritmo? Isso pode ter contribuído para aumentar o risco de rompimento?

Todas as barragens da Samarco têm laudos de estabilidade emitidos por empresas especializadas. A governança de barragens da Samarco tem uma equipe técnica que opera 24h, temos auditoria por terceiros que emite laudo de estabilidade e tem ainda um terceiro board, que a gente chama de um board independente, para, pelo menos três vezes ao ano, observar, analisar, contribuir com tudo que está sendo feito nas barragens. Tudo isso existe e é documental. Do ponto de vista de aumento da produção, a Samarco fez um investimento em um projeto chamado P4P (Projeto Quarta Pelotização). São três anos de planejamento, três anos de execução desse projeto que iniciou sua operação em 2014. Como todo projeto, no início de operação, você não vira a chave e ele sai produzindo. Ele tem uma curva de entrada de operação em que a produção vai aumentando até chegar na capacidade de projeto. A gente estava andando nesta curva, exatamente. Estávamos no processo de aumento de produção planejado.

E o pico desse processo?

É uma curva que vai se estabilizando e, agora em 2015, possivelmente, a gente estaria talvez, ao final do ano, chegando na capacidade nominal.

Não era arriscado aumentar o volume de rejeitos devido ao histórico de problemas de Fundão?

Tudo sempre foi monitorado, laudos foram emitidos por empresas especializadas e não havia nenhum sinal de anomalia que pudesse gerar algum tipo de alarme de que isso poderia acontecer. Num processo de planejamento de expansão, essas coisas são levadas em consideração. Você não fala que de um dia para o outro você vai aumentar a disposição de rejeitos e que você vai, por conta disso, jogar mais material na barragem e ela tem que aguentar.

Mas estamos aqui porque um desastre ocorreu. Um desastre desse porte pode acontecer se houver erro de operação ou de projeto.

Acho que isso precisa ser investigado. É o que está acontecendo agora. Da nossa parte nós estamos colaborando o máximo que a gente pode com a investigação. Essa pergunta é a pergunta que geotécnicos, geólogos, engenheiros especialistas em mecânica dos solos, em mecânica dos fluidos, sismologia, pessoas aqui do Brasil e de fora estão buscando a resposta. Qual foi o fator ou a conjugação de fatores? Qual foi o gatilho? Porque foi um rompimento abrupto, instantâneo. Não foi alguma coisa progressiva que a gente pudesse atuar nele. A parede da barragem desceu de uma só vez.

E que horas foi?

Está na investigação entre as 15h30 e as 16h, mas eu não posso precisar o momento exato.

A Samarco era considerada um modelo. Tinha um alta margem de lucro, de 37%, e um dos mais baixos custos de tonelada de pelota produzido. A busca por uma alta rentabilidade pode ter comprometido o investimento em segurança?

Em nenhuma hipótese. Se essa hipótese fosse verdadeira, nós não teríamos os números de saúde e segurança que nós temos historicamente. Isso não se faz de um dia para o outro. A Samarco é sim modelo em todas essas coisas que você falou por aplicação de tecnologia, desenvolvimento de tecnologia desde o seu início.

Mas 2015 foi um ano marcado pela baixa acentuada do preço da pelota de ferro.

Baixa acentuada para níveis que a gente já praticava. Em 2005, a alta do minério de ferro é de 2005 para frente. Até então o minério de ferro, esse preço que a gente tem acompanhado, é um preço histórico.

A queda mais recente do preço do minério e a ocorrência do desastre são uma infeliz coincidência?

Do ponto de vista de segurança, tenho plena certeza disso. Nunca restringimos dinheiro para a segurança, seja a segurança de pessoas seja a segurança das nossas estruturas.

O método utilizado para construir a barragem de Fundão, com alteamentos a montante, é mais barato e mais arriscado?

Eu acho que você vai sempre ouvir opiniões. Vai ter gente que vai falar que sim, vai ter gente que vai falar que não. O fato é que esse é um método adotado no Brasil previsto na legislação brasileira, estudado pela engenharia nacional e internacional e aplicado no Brasil e em outros países. Tem pessoas que vão achar que é o melhor método e outras que não, tem pessoas que vão fazer contas de custo. O fato é que é um método da engenharia e tem regulamentação para ele.

E ela vinha sendo seguida?

Sim, claro, não tenho dúvida disso.

O consultor Randal Fonseca, da empresa RTI, disse que entregou em 2009 um plano de monitoramento da barragem por telemetria, simulações com moradores, e um centro de telecomunicações de emergência, mas que esse plano foi posto de lado. O senhor confirma o recebimento desse plano?

Eu não tenho conhecimento específico a respeito desse plano. Fiquei informado dele apenas após o incidente e o que me informaram foi que, em relação ao que era proposto, ao que estava relativo às barragens, nós já tínhamos no nosso plano de emergência estabelecido, implantado e comunicado. É essa informação que eu tenho.

Já havia sido feito alguma simulação com os moradores de Bento Rodrigues?

De novo, o plano de emergência foi feito por empresas especializadas e foi cumprido integralmente conforme ele está determinado. É um ponto que estou sempre reforçando. Porque essa informação precisa ser clara. Contratamos as melhores empresas para fazer o plano de emergência, entregamos esses planos para as autoridades conforme manda a lei. E os executamos conforme estava descrito.

No momento da tragédia, a Samarco realizava obras para unificar as barragens de Fundão, que se rompeu, com a vizinha, Germano?

A gente tem o licenciamento da elevação da barragem de Germano e de Fundão da cota de 920 metros para a cota de 940 metros. No momento [do rompimento], Fundão estava operando dentro da cota de 898 metros, dentro da licença válida de operação. A gente estava começando os trabalhos que durariam dois anos até chegar o momento em que se começaria novamente a fazer o alteamento [elevação da parede] da barragem. São remoções de interferências. É uma obra preparatória para o alteamento, para viabilizar o alteamento de 920 metros para 940 metros. Estava licenciado regularmente desde o final de junho.

Que relação essa obra tinha com a unificação?

Eu não me refiro à unificação. O alteamento de Fundão estava licenciado até a cota de 920 metros. Ela seria alteada até a cota de 940 metros, e a barragem da Germano seria alteada até a cota 940 metros, mas nós não estamos falando de unificar. São duas estruturas que estão ali, próximas uma da outra, mas não chamo isso de uma unificação. Chamo isso de alteamento. É isso que está na licença.

Elas continuariam como estruturas separadas ao término da obra?

Sim, ao término da obra.

Mas existia a intenção de unificar em algum momento?

Não que seja do meu conhecimento nas nossas licenças. A licença que nós conseguimos no final do mês de junho tratava da elevação da barragem de Fundão da cota de 920 metros para a cota 940 metros, elevação da barragem de Germano da cota de 920 para 940. São duas estruturas.

Iria se tornar uma só?

Não, duas estruturas na mesma altura.

Mas o pedido era para unificar.

Existiria um reservatório de Fundão e um reservatório de Germano na mesma altura, um ao lado do outro, depois que alteasse. O que estava sendo feito agora era uma obra que demoraria dois anos de preparação para que o alteamento começasse a partir de meados de 2018.

Um dos funcionários da Samarco disse aos fiscais do governo de Minas que, no momento da tragédia, a obra era para unificar. Ele passou uma informação incorreta?

Talvez ele não tenha sido tão exato. A barragem de Fundão tem licença anterior para operar até a cota 920 m. Ela estava na cota 898 m. Iniciaram-se obras para possibilitar o futuro alteamento para a cota 940 m.

O Ministério Público solicitou em junho um plano de emergência. Isso foi feito?

Não tenho conhecimento. Em julho, após o licenciamento?

Durante. Seria uma condicionante.

Todo o licenciamento vem com condicionantes. E todas as condicionantes têm prazo de cumprimento. A licença foi obtida no dia 30 de junho dessa maneira, então a gente estava dentro dos prazos de cumprimento de todas as condicionantes. Do ponto de vista de condicionantes, todas as licenças da Samarco estavam em dia, em todas as nossas barragens.

Mas estava sendo preparado um plano de emergência para essa estrutura nova?

Acredito que sim. Existem licenças que tem cem condicionantes que vão se desenvolvendo ao longo do tempo, dentro de prazos que vão sendo seguidos e cumpridos. É assim que funciona o processo de licenciamento. No caso específico dessas obras que estavam sendo feitas, elas estavam dentro do licenciamento normal outorgado pelo órgão competente.

A barragem recebeu em 2014 rejeitos da Vale, 5% do volume depositado, segundo a empresa. Antes disso e nesses dez meses de 2015 foi a mesma proporção ou houve variação?

Variação, se houver, é mínima em torno disso. Esse contrato é anterior a isso, é um contrato de 1989, que é da Samitri [antiga dona da Samarco, comprada pela Vale em 2000]. Isso não começou agora. Em 2014 e 2015 são os números que estão na minha cabeça. É uma proporção de 5% em relação ao rejeito gerado na Samarco.

Não em relação ao volume do reservatório?

Não. Eram 5% do volume depositado no reservatório.

Isso pode ter gerado uma sobrecarga na barragem?

Não, isso é planejado. Também não é uma operação realizada do dia pro outro.

E a pilha vizinha da Vale? Contribuiu para a desestabilização do reservatório?

Pode ser uma hipótese, mas na minha opinião muito improvável. Tem que ser obviamente alvo de investigação, mas não tem contato direto [com a barragem]. A pilha da Vale e o reservatório de Fundão são estruturas que estão próximas umas das outras e que trabalham.

O laudo do Instituto Prístino, em 2013, dizia que havia contato.

De novo, isso vai ser alvo de investigação. Eu não tenho conhecimento profundo disso para te afirmar o que diz o relatório do Instituto Prístino. Tecnicamente, eu não posso te fazer essa afirmação. A pilha de estéril da Vale está lá intacta, o que aconteceu foi na barragem de Fundão

Mas ela não pode ter influenciado? Tem um estudo de 2012 do escritório VOGBR dizendo que a pilha estava afetando a barragem. Isso foi resolvido lá atrás?

Essa é uma questão muito técnica que precisa ter mais respaldo técnico para outra pessoa responder. Todas as coisas que nos foram pedidas nos laudos, todos os estudos que foram feitos para que fossem emitidos laudos atestando a estabilidade, tudo foi feito. Não tenho nenhuma dúvida em relação ao licenciamento, aos laudos de estabilidade. Se estava lá e foi solicitado, foi feito.

Vocês têm uma projeção do custo do saneamento ambiental e eventual reconstrução de Bento Rodrigues?

Não, porque do ponto de vista ambiental, estamos em campo agora com uma empresa internacional especializada em remediação, especialmente de desastres ambientais. Nós estamos em campo com ela agora fazendo um diagnóstico da situação ambiental, do que precisa ser feito nas diferentes partes do rio. Porque o rio Doce não foi impactado por igual em toda sua extensão. Certamente as soluções deverão ser diferentes e, para cada solução, haverá um custo e um prazo. Nós estamos fazendo esse diagnóstico.

O diagnóstico tem um prazo?

A gente espera agora no começo do próximo ano, na primeira quinzena de janeiro, a gente consiga ter esse diagnóstico tratado, ela vai fazer os levantamentos, a gente vai conseguir entender cada parte dele e a partir dele traçar os planos de ação para que a gente possa de fato colocá-lo em prática. Independente disso, a gente já tem feito lá na região de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce a retirada de material orgânico do rio e colocação em áreas determinadas pelo órgão ambiental. A gente tem feito o replantio, cerca de 200 ha, que nós estamos replantando de espécies nativas na beira do rio, entre Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce e Mariana, mais próximo de Mariana, para fazer com que esse material que ficou depositado na beira do rio possa ser menos suscetível à ação de chuva. Independente do diagnóstico, o que a gente já enxerga que pode ser e deve ser feito já está sendo feito, inclusive, nós estamos monitorando com barco lá da foz do rio Doce para cima, com um barco com sonar, a presença de peixe, e tem peixe no rio, tem vida no rio.

BBC/AFP
Consequências ambientais do desastre têm sido grandes em cidades a até 700km de distância de Mariana
Consequências ambientais do desastre têm sido grandes em cidades a até 700km de distância de Mariana

A partir de que distância?

Nós estamos subindo o rio do mar para frente, em todos os lugares, nós estamos quase em Barra Longa, e em todas as regiões nós detectamos a presença de peixes. O que estou querendo dizer é que nós ainda não temos a solução, nós não temos o diagnóstico completo. O que pode ser feito nós já estamos fazendo. Assim que nós tivermos o diagnóstico, ele se transforma em um plano de ação, e de plano, em ação, esse é o nosso compromisso. Do ponto de vista do reassentamento, nós estamos com a ERM, consultoria de classe mundial acostumada a fazer isso em vários lugares do mundo, estamos estabelecendo uma processo de governança desse reassentamento. Como é que isso é discutido com as pessoas em diferentes níveis, em diferentes momentos, desde a comissão dos moradores até todos os moradores, esse processo está avançando. A gente espera agora em janeiro já ter um primeiro marco nesse processo que é podermos olhar as áreas que os moradores vão escolher.

Eles querem voltar para o mesmo local?

Essa é uma das perguntas que a governança tem que responder, porque as pessoas que a gente conversa, em geral, falam que no mesmo local não, elas querem voltar em vila, para o mesmo local onde existia Bento Rodrigues não. Pelo menos é o que tenho ouvido. Eles querem continuar. Eu acho que não seria a melhor opção, mas é uma decisão que tem que ser tomada em conjunto entre os moradores, a Prefeitura de Mariana, que está participando ativamente disso, o Ministério Público e a empresa. O que eu tenho ouvido é que eles têm falado que querem continuar morando como uma comunidade. Se querem continuar morando como comunidade, é um novo bairro que tem que surgir em Bento Rodrigues, uma solução para Paracatu, porque lá tem casas que foram também inviabilizadas e uma solução também para Gesteira, que teve casas afetadas, mas o principal é Bento Rodrigues. Esse processo de governança, acredito que em janeiro nós já possamos ter um marco nele, que é um marco de visitar áreas onde seriam possível ser erguidos bairros.

Tem metais pesados na lama?

Nós já publicamos laudos da lama. Vou deixar bem claro: rejeito de minério de ferro não é tratado com metais pesados. Rejeito de minérios de ferro é constituído predominantemente por ferro e sílica ou quartzo. No processo da Samarco, não é usado nem mercúrio. Quando se fala em mineração, se fala em mercúrio, mas nem em análise de laboratório da Samarco havia mercúrio. Existe mercúrio em análise de laboratório de algum tipo de empresa. Nem em laboratório da Samarco é utilizado mercúrio. Não tenho dúvida nenhuma de que os laudos que estão aí publicados, não basta só a Samarco falar, para a opinião público é importante também as agências falarem, e estão falando e mostrando que quantidade de metais em 2010 e 2015 pós-acidente, é a mesma. De todos esses laudos que estão publicados, os níveis de metais estão todos dentro do limite aceito. A lama da Samarco é considerada não tóxica e inerte. Como persiste essa confusão, a gente sempre pode melhorar nosso processo de comunicação.Vou deixar claro que a lama é considerada não tóxica inerte. As estações de tratamento de água ao longo do Rio Doce, todas as que estão tratando a água têm laudos que mostram a qualidade da água sendo tratada, a qualidade da água do rio Doce após tratamento como água potável.

A lama continua vazando?

O que acontece é que, em momentos de chuva intensa, o que pode acontecer é o carreamento de sólido. Por isso, nós estamos construindo diques dentro de Fundão. Eventualmente, o que pode acontecer é dentro da barragem de Fundão ter carreamento desse sólido por causa de água de chuva. Para isso nós estamos construindo diques.

Ela continua chegando ao rio Doce?

Em situação normal, não. O que pode acontecer, por isso estamos construindo diques, eles têm cronograma que foi submetido ao órgão, e a gente está dentro do cronograma construindo diques, para, em situações de chuva, o sólido do que esteja dentro da barragem de Fundão e possa ser transportado ali dentro, seja contido nos diques.

A multa de R$ 250 milhões do Ibama foi paga? A Samarco vai recorrer?

Está na área jurídica. A gente tem um prazo para fazer nossas alegações.

Ou seja, vocês estão contestando?

Eu não sei se vai haver contestação administrativa. A área jurídica está analisando e eu ainda não sei o resultado. De novo, o meu foco tem sido trabalhar diretamente as questões humanitárias e de meio ambiente.


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