Folha de S. Paulo


Ainda sob racionamento, SP 'deixará' o volume morto após 18 meses

Um ano e meio. Esse é o período no qual, diante da mais grave estiagem já registrada em SP, milhões de moradores da capital e de seu entorno só não ficaram completamente de torneiras secas por causa da água bombeada emergencialmente dos fundos das represas do sistema Cantareira, o chamado volume morto.

Ao longo desses 18 meses, foram usados bilhões de litros dessa água. Mas, agora, todo esse volume será "devolvido" ao Cantareira, graças às fortes chuvas dos últimos meses, aliada a uma severa política de racionamento (com milhares de pessoas sem água por horas ao longo do dia).

É como se o maior manancial da Grande SP saísse do cheque especial da água -o que, nesse ritmo de chuva, pode ocorrer ainda neste ano.

Nesta sexta (18), o sistema operou com 19,8% de sua capacidade -sairá do volume morto quando atingir 23%.

O Cantareira tem capacidade para 1,3 trilhão de litros de água, sendo que 288 bilhões estão abaixo das tubulações fixas de captação, ou seja, nesse tal volume morto.

Editoria de Arte/Folhapress
A SECA NA REPRESA JAGUARI-JACAREÍDiferença do cenário com a exploração do volume morto

A volta das chuvas e a retomada aos níveis fixos de captação, porém, não trazem uma alívio automático, já que o racionamento deve seguir duro em diferentes pontos da região metropolitana para que uma poupança de água possa ser acumulada para enfrentar o próximo período seco, de abril a setembro.

EMERGÊNCIA FIXA

O volume morto começou a ser idealizado em janeiro de 2014, quando o maior reservatório de SP perdia cada vez mais água, e as projeções apontavam que o Cantareira poderia pela primeira vez ficar abaixo de seu nível original de captação de água.

Era ano de eleição, e o governador Geraldo Alckmin (PSDB), então candidato à reeleição, nem cogitava um rodízio. O consumo se mantinha, as chuvas não vinham, e as represas só secavam.

As projeções se confirmaram e, desde o meio de julho do ano passado, o abastecimento ficou refém de bombas instaladas emergencialmente no fundo do Cantareira.

As represas estavam tão baixas que as tubulações fixas de captação já não conseguiam sugar nenhuma gota (a água estava abaixo delas).

O Cantareira, que atendia 9 milhões de pessoas, naquele sufoco chegou à casa de apenas 5 milhões -o restante foi socorrido com água de outros mananciais.

O uso do volume morto recebeu críticas de especialistas. Em especial, por dois motivos: risco ambiental ao secar quase que completamente as represas e falta de planejamento do governo aos primeiros sinais da estiagem.

Para o governo, porém, o uso dessa "reserva técnica" foi a melhor opção para sobreviver nesse período sem a necessidade de cortes mais drásticos no fornecimento.

O plano inicial seria usar essa água só por um curto período, mas a estiagem se prolongou e, só agora, um ano e meio depois, o equivalente ao volume morto será recuperado.

Essa reserva poderá voltar a ser usada no período seco, a depender do volume de chuvas dos próximos meses.

A "retomada" do volume morto é um avanço para a segurança do abastecimento, mas apenas coloca o maior reservatório da Grande SP no seu nível zero de captação.

Para o economista Roberto Luis Troster, a operação de agora em diante no reservatório é comparável a uma conta-corrente que passa do negativo para o saldo positivo.

Segundo ele, no Cantareira é preciso aproveitar os próximos meses, que terão bons rendimentos (com constantes chuvas até o final de março, pelo menos), para que se consiga passar sem apertos pelo próximo período de seca.

TORNEIRA SECA

Mesmo diante do recente alívio nos reservatórios, a Sabesp e o governo do Estado manterão em 2016 a política de restrição de água que já dura praticamente dois anos.

"A gente está assim, sem água, desde que o racionamento começou", diz Silvia Oliveira, 32, moradora do Jardim Jaú, na região da Penha, zona leste de São Paulo, onde há quase dois anos as torneiras ficam secas entre as 13h e as 5h da madrugada seguinte.

Silvia mostra uma dúzia de garrafas PET no chão da cozinha que ela enche de água todos os dias pela manhã. "Essa é a água que eu vou usar para fazer o jantar e cozinhar", diz ela. No quintal da casa, um grande tonel guarda a água para a lavagem da roupa.

Diego Padgurschi/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL - 10-12-2015: Silvia Oliveira, 37, moradora do bairro da Penha, zona leste de SP, mostra como guarda agua para lavar a roupa. Mesmo com as chuvas acima da media, moradores sofrem com a falta d´agua. (Diego Padgurschi /Folhapress - (COTIDIANO) ***EXCLUSIVO***
Silvia Oliveira, 37, mostra como guarda água para lavar a roupa

Perto dali, a funcionária pública Josefina Lanzoni, 62, diz evitar guardar água em grandes quantidades. "Água parada é só prejuízo, logo ela fica salobre", conta.

Josefina afirma que, na casa em que mora com mais cinco pessoas, a família divide água até com as plantas. "E é água mineral!", avisa.

Na Vila Santista, quem ainda não instalou sua caixa-d'água após dois anos de crise hídrica também vive refém de garrafas e baldes.

"É um absurdo que, em pleno 2015, a gente tenha que tomar banho de canequinha", reclama a instrumentadora Samantha Gomes, 31, que guarda água para que sua irmã possa tomar banho depois de voltar da faculdade, à noite.

E isso deverá continuar sendo uma rotina para muitos ainda em 2016. Mesmo com a perspectiva de superação do volume morto do Cantareira nas próximas semanas, a situação dos reservatórios ainda é muito crítica.

A Sabesp ainda tem grande preocupação com o Alto Tietê, que abastece a porção leste da Grande São Paulo e que estava nesta sexta-feira (18) com 20,8% de sua capacidade.

Além disso, a empresa acha prematuro assumir que a época de chuva em abundância tenha finalmente chegado ao Estado. Afinal, apesar das últimas chuvas, é possível que, assim como nos últimos dois anos, o verão acabe com a média de chuva baixa.

FIM DA SOBRETAXA

Outra incerteza ainda para a Sabesp é o futuro das políticas de incentivo à redução de consumo. A sobretaxa, que pune aqueles que consomem mais do que sua própria média, tem validade até o fim deste ano e a empresa não sabe se a prorrogará.


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