Folha de S. Paulo


Estiagem histórica espanta visitantes e causa abandono em cidades turísticas

Barcos encostados, píeres sem utilidade, pescadores desempregados, praia vazia e crise imobiliária. A seca histórica dos últimos dois anos vem causando estragos no turismo em cidades do interior de São Paulo e Minas Gerais.

A falta de chuvas, ainda que não tão acentuada quanto em 2014, deixou como legado o sumiço de turistas da praia artificial de Ilha Solteira (SP), a crise no aluguel de casas de veraneio e a quase extinção do turismo de pesca em outros municípios.

Em Minas, ao menos 20 das 34 cidades banhadas pelo lago da hidrelétrica de Furnas, no sudoeste do Estado, sofrem com a debandada de visitantes. A água, em alguns casos, recuou quilômetros e deixou sem função píeres para motos aquáticas.

A pousada de Valéria Barbosa, em Alfenas (MG), manteve só 12 dos antes 70 funcionários. "As pessoas gostavam de vir para ver água, mas cadê? Sumiu", diz Valéria.

Em comum, as cidades desenvolveram o turismo a partir da criação de represas para hidrelétricas. Com a seca e o recuo das águas, turistas ficaram sem opções de lazer.

"O movimento acabou, e os ranchos estão abandonados", disse Joaquim Constantino, dono de um restaurante às margens de Furnas, em Carmo do Rio Claro (MG).

Moradora de Areado, também em Minas, Ana Maria Santos, 74, viu Furnas nascer, em 1963 –sua família era dona de uma área que foi alagada. Agora, suas 40 vacas pastam onde antes só havia água. "É desesperador", afirma.

Para Fausto Costa, presidente do comitê da bacia hidrográfica de Furnas e secretário-executivo da Alago (Associação dos Municípios do Lago), o verão terá mais chuvas, mas não suficientes para recuperar as perdas. "O lago está 12 metros abaixo do nível máximo. Perdeu quase dois desde setembro", diz.

SEM PESCA

Na paulista Colômbia, os peixes sumiram do rio Grande após seu nível chegar a menos de 30 cm em alguns trechos. Os turistas também, o que afetou aluguéis de barcos, guias e restaurantes.

"O rio está com muitas pedras à mostra e navegação difícil", disse Maria Inácia Freitas, superintendente de Meio Ambiente do município.
A população chegava a crescer 10% nos fins de semana, quando atraía 600 pescadores. Hoje, ninguém vai lá.

A menor oferta de água também atingiu Guaraci (SP), onde é possível alugar um imóvel de veraneio de imediato, algo impensável até o ano passado. "No último Carnaval, ranchos ficaram vazios. Para o próximo, a perspectiva é pior", diz o corretor de imóveis Mauro de Boni.

Em Ilha Solteira (SP), surgida a partir da hidrelétrica homônima no rio Paraná, as margens do reservatório recuaram até cem metros na praia artificial, segundo o prefeito Bento Carlos Sgarboza (DEM). "O lago, que está oito metros abaixo do normal, é o grande problema."

A hidrelétrica opera desde junho de 2014 com volume zero -o mínimo de sua capacidade para gerar energia, segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).

CONTRAMÃO

Situação diferente vive Rifaina, no norte paulista. Com o nível da represa local estável, o turismo cresceu. Os cerca de 600 ranchos às margens do reservatório da hidrelétrica de Jaguara vêm atraindo turistas de locais afetados pela seca. Isso porque a usina tem um sistema chamado fio-d'água, que faz com que não seja preciso baixar o nível do reservatório para gerar energia elétrica -a geração é feita conforme a vazão do rio.

Dono de uma das quatro marinas de Rifaina, Pedro Luiz Gonçalves diz que o número de embarcações cresceu quase 20% neste ano. "Tenho hoje 170 barcos. E virão mais, pois a água vai demorar para voltar em outras regiões", diz. Os serviços de uma marina para um barco médio (de R$ 80 mil) custam cerca de R$ 5.000 anuais.

Turistas de cidades no entorno da hidrelétrica de Furnas e de Delfinópolis, em Minas, têm levado seus barcos para Rifaina, que vive ares de prosperidade. Um edifício de dez andares foi inaugurado neste ano na cidade, que prevê a construção de mais dois.

"Mesmo com a crise, já comecei a alugar ranchos para o Réveillon dois meses antes do previsto", diz Adelmo Marcelino Neto, que atua no ramo imobiliário há 25 anos. Em Rifaina, quatro dias em um rancho com piscina saem por cerca de R$ 7.000. Sem piscina, a média é de R$ 5.000.

Segundo o secretário municipal do Turismo, Claudio Masson, o movimento na praia artificial e nos ranchos cresceu 50%, com até 5.000 visitantes nos fins de semana -mais que a população local, de 3.500 habitantes.

Para ele, o desenvolvimento só não foi maior por causa da crise econômica. "O turismo de fim de semana não foi afetado, mas as vendas de terrenos e casas caíram", diz.


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