Folha de S. Paulo


Gestão Alckmin desperdiça água do Rio Grande em plena crise

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) desperdiçou nos últimos três dias uma quantidade de água que poderia abastecer até 1 milhão de pessoas por dia na Grande SP.

A perda se deu da seguinte forma: como o sistema Rio Grande encheu, e a obra para desafogá-lo demorou a entrar totalmente em operação, o excesso de água teve de ser despejado na represa Billings.

Ao cair na Billings, a água do Rio Grande se torna inutilizável, já que a represa, de tão poluída, não é usada como fonte de abastecimento.

O sistema Rio Grande, na região do ABC, tem tido papel cada vez mais importante no controle da crise hídrica, agravada no início do ano passado e longe de um fim –milhares de pessoas ainda vivem sob racionamento.
Contrariando o cenário de penúria do sistema Cantareira (atualmente com 17,9% de sua capacidade), o problema no Rio Grande é justamente o excesso de água acumulada.

A quarta maior represa da Grande SP atingiu 99% de sua capacidade. Caso recebesse mais água, haveria risco de inundações ou até mesmo de comprometimento da barragem que a separa da Billings, na rodovia Anchieta, em São Bernardo do Campo.

Por isso, a Sabesp, empresa paulista de água, é obrigada a bombear o excedente para a vizinha Billings. A operação não é inédita, mas torna-se mais grave quando milhares de pessoas continuam com suas torneiras secas.

Embora atualmente seja necessário bombear essa água por segurança, esse desperdício poderia ter sido evitado se a Grande SP estivesse equipada com mais tubulações para interligar a água entre os sistemas.

Outra alternativa ao desperdício seria ter implantado mais rapidamente a principal obra da Sabesp deste ano, a interligação de água entre o Rio Grande e o Alto Tietê.

Sob o ponto de vista da engenharia, a obra é arrojada: dois conjuntos de tubos percorrem 10 km entre subidas e descidas de morros, passando por três municípios.

O objetivo era retirar água do cheio Rio Grande e levá-la até o Alto Tietê, fortemente castigado pela seca. O Alto Tietê tem maior capacidade de tratamento e pode, inclusive, abastecer bairros atendidos pelo Cantareira, que ainda vive situação crítica.

O problema é que, em janeiro deste ano, Alckmin prometera que a obra estaria entregue em maio. Mas o governador só conseguiu concluí-la em setembro.

Mesmo assim, desde então, equipes do governo do Estado faziam reparos no trecho final da obra. O desemboque dos canos é feito em um córrego cujas ribanceiras não aguentaram a força das águas bombeadas e cederam.

Com o imprevisto, o bombeamento teve de ser suspenso várias horas por dia até que o leito do rio fosse reforçado com pedras nas margens.

Enquanto a obra não era terminada, o Rio Grande, que fica próximo à serra do Mar, área de grandes chuvas, foi acumulando água até encher quase que completamente.

Apenas nesta sexta (11) a obra finalmente teve sua capacidade de bombear 4.000 litros de água por segundo plenamente atingida, de acordo com a Sabesp –que não soube informar o volume que vinha sendo transportado.

Para o professor da federal do RS Carlos Tucci, obras de interligação entre sistemas são a forma mais eficiente e segura de gerenciar o abastecimento em uma grande cidade. "É importante criar sinergia entre os sistemas de abastecimento para minimizar o risco de falta de água."

OUTRO LADO
A Sabesp disse à Folha, por meio de nota, que a transferência de água do sistema Rio Grande para a represa Billings se trata de rotina operacional em função do grande índice de chuvas na região.
Nos últimos três meses, por exemplo, choveu 25% a mais do que a média do período na represa.

A operação de bombeamento para a Billings, segundo a Sabesp, é feita de acordo com o nível do Rio Grande e é prevista em acordo com a EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), que administra a Billings.

A estatal diz que o "fato só reforça o acerto em usar o Rio Grande, que está nesta sexta-feira (11) com 98,1%, para ajudar a recuperar o sistema Alto Tietê, bastante afetado pela estiagem sem precedentes".

Em janeiro, a obra de interligação entre o Rio Grande e o Alto Tietê –que poderia evitar o atual desperdício de água– foi prometida para maio. Meses depois, a própria Sabesp havia dito que a obra seria concluída em julho.

Em mais uma prorrogação, a estatal disse que os 4.000 litros por segundo de capacidade de transferência ficariam prontos em setembro.

A Sabesp argumentou que, entre outras etapas, teve que negociar os termos da obra com a Petrobras, dona de gasodutos na região.

De acordo com a Sabesp e a gestão Alckmin (PSDB), imprevistos diante de uma obra do tamanho da interligação entre os dois sistemas são normais e esperados.


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