Folha de S. Paulo


Sob nova direção, famosos adotam clássico inferninho do centro de SP

Fafá de Belém dá uma palhinha ao microfone enquanto os comensais, que incluem socialites e atores, provam os pratos de Alex Atala. A cena poderia ser vista em raros salões da cidade, mas aconteceu no fim de semana passado num dos redutos paulistanos com reputação mais questionável até meses atrás: a boate Love Story.

Conhecida como "a casa de todas as casas" ou "o playground das garotas de programa quando estão de folga", a boate da República (centro) chega ao seu 24° ano em uma cruzada para limpar seu nome e virar um misto de atração turística e playground da alta sociedade.

A guinada inclui a contratação de atrações artísticas, como o Crossover –projeto eletrônico do violinista Amon (da família) Lima e o DJ Julio Torres— e festas.

Erick Jacquin, chef e jurado do "Masterchef", não só comemorou lá seu aniversário de 51 anos, semanas atrás, como também entrou com um veiculo utilitário com o logotipo da Love em seu casamento, em outubro, na reinauguração do refinado restaurante do Jockey Club.

"Esse lugar é um desbunde", disse Fafá de Belém, que havia ido como convidada à Galinhada de Alex Atala no domingo, 5, e se dispôs a cantar, antes de explodir em uma das suas gargalhadas.

A mudança do público, até então composto por garotas de programa e jovens atrás dos seus préstimos sem precisar pagar por eles, se deu principalmente por um novo plano de negócio do lugar.

Após duas décadas e três infartos agudos do miocardio à frente da casa, João Freitas, o Tio João, passou em setembro o comando para o filho, Milton Freitas, 46, que era executivo de uma empresa de telefonia.

"Não sou uma pessoa da noite. Minha vida, por 25 anos, era acordar, ir para o escritório e voltar para casa", diz Milton, que também administra o restaurante Antonietta, em Higienópolis.

Viu seus horários se inverterem com o novo ofício, quando começou a frequentar a casa. "Noventa por cento da clientela era de mano e de bandido. O cliente tinha medo de entrar", diz o novo dono. Segundo ele, garçons se recusavam a servir algumas mesas, "por medo de serem assaltados ou coisa pior".

A primeira atitude que tomou foi demitir a brigada de segurança, que em vez de cobrar o valor da entrada fazia uma espécie de leilão com quem queria entrar. "O preço era R$ 100, mas sujeito pagava R$ 20 e entrava."

Trabalhou também o marketing da casa, começando a vender ingressos online e aumentar a presença nas redes sociais.

Firmou parcerias, como a com a Casa do Porco, novo restaurante que o chef Jefferson Rueda abriu a 30 passos do inferninho, e que dá gratuidade de entrada para clientes do jantar -um segurança acompanha os grupos entre um estabelecimento e outro.

Até então, eram raros os momentos em que a sociedade visitava o inferninho da República. Um deles foi em 2009, quando o Pânico fez uma festa que arrastou para o centro nomes como Donata Meirelles, a diretora de moda da "Vogue" e mulher do publicitário Nizan Guanaes. "Aquele lugar é para se soltar", disse à época Meirelles.

Ou em 2005, quando o pugilista Mike Tyson foi da pista da Love direto para a delegacia, acusado de agredir um cinegrafista em outro clube, o Bahamas, em Moema.

Não que o pulo da clientela tenha lavado todo pecado da boate: ao menos 20 BOs de furto de celular na pista da Love foram registrados este ano, segundo policiais da delegacia mais próxima, na rua Aurora -oficialmente, a polícia afirma não comentar os números.

"Aconselhamos a usar a chapelaria, que é grátis e de confiança, mas nenhum estabelecimento está livre de ocorrências", diz o novo dono.

Clientes antigos fundaram na internet a comunidade "Queremos de volta o antigo Love Story", em que acusam a nova gestão de "egoísta" e de estar "destruindo um patrimônio da cidade".

Por causa da reação dos clientes antigos, setembro e outubro, diz Freitas, foram meses difíceis para o negócio. Já novembro foi excelente. "Reduzi a clientela e mantive a receita." A casa, que funcionava 365 noites por ano, passou a fechar aos domingos e segundas.

"Sempre foi alternativo, um pouco underground, e deve permanecer assim. Mas você não tem que ter medo de entrar", diz Janaina Rueda, chef do Bar da Dona Onça, no Copan, e frequentadora semanal há mais de uma década.

A ideia é que o espírito pecaminoso permaneça. "A pessoa precisa entrar para ver que não é um puteiro, que não tem quartinho nos fundos, mas o erotismo vai continuar. É a essência da casa", diz Freitas filho.

"Existe uma linha tênue entre o que é o erotismo, que não agride ninguém, e o que é prostituição", afirma ele, que se inspira em boates eróticas como o Crazy Horse, em Paris, para recauchutar o negócio.

A Folha visitou a casa por três noites. A pista, que costumava ser apinhada quase todos os dias, está com mais espaço para movimentação. O camarote, que costumava ser praticamente aberto, ganhou dois seguranças que asseguram a presença só de quem pagou mais para estar lá.

Festeiros continuam se pendurando no lustre, em momentos de muita animação. "Só não pode virar uma balada coxinha, tem que ter um público bonito e todo mundo entrar sem medo", diz Janaina Rueda, que da sua cozinha vê a porta com corações de neón.


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