Folha de S. Paulo


Rua no centro de SP reúne de mesquita a restaurantes peruano e colombiano

Muçulmanos fazem suas preces concentrados em uma mesquita, alheios à salsa que toma conta do ambiente do lado de fora. Na rua apinhada de gente, meninos peruanos jogam bola e nigerianos comem pratos feitos colombianos nas mesas na calçada.

No burburinho da rua Guaianases (centro de SP), às vezes, é mais fácil pescar palavras em inglês, francês, espanhol do que em português.

Pipocaram templos religiosos, pequenos hotéis e vários restaurantes em um trecho de dois quarteirões da via nos últimos anos. E o local acabou virando ponto de encontro de imigrantes de dezenas de países latinos e africanos, muitos deles trabalhadores da região da Santa Ifigênia e 25 de Março.

Os arredores da rua chegaram a ser apelidados como "baixo Cuzco" devido à profusão de restaurantes peruanos. Mas não se limita a esse tipo de culinária.

Ao menos três restaurantes são especializados na comida da Colômbia. O colombiano Juan Carlos Marin, 45, conta que todos os dias vende cerca de 60 pratos em seu restaurante, o Los Rolos.

Quem cozinha é a mulher dele, a brasileira Vera Lúcia Barbosa, 35. "Nossa especialidade é o prato feito colombiano, o corrientazo", conta.

Assim como o brasileiro, esse leva arroz e carne. "Mas eles não comem feijão, e sim lentilha, grão de bico e ervilha fresca. E muita sopa", diz.

Onde fica- rua Guaianases

Ali ao lado, há uma loja peruana de "jugos" (sucos) e uma banquinha do restaurante Rio Mar, onde o peruano Franco Castro Fernandez, 19, vende ceviches (prato à base de peixe e frutos do mar), chaufas (arroz com carnes peruano) e yakissobas.

"Vem comer todo tipo de gente: brasileiro, peruano e nigeriano", diz ele, que após um ano na cidade conta que aprendeu a gostar de São Paulo. "Mas essa rua é complicada, tem briga, confusão, tem de tudo", diz.

Garçom de um restaurante ali perto, o colombiano Andrez Felipe, 26, faz um muxoxo ao falar da convivência entre os compatriotas e os peruanos. "Colombiano não se dá muito bem com eles, não quer se misturar."

Policiais militares de uma base na rua dizem que, às vezes, intervêm em quebra-paus de latinos e africanos.

Muitos africanos se concentram em frente a um bar sem nome, onde conversam em dialetos (como o iorubá, falado na Nigéria), jogam bilhar e falam ao telefone.

Folheando a lista de hóspedes de um hotel onde os imigrantes do continente costumam ficar, é possível constatar a variedade de nações. Há gente de Nigéria, Angola, Senegal, Serra Leoa, Libéria, Somália, entre outros.

Há dois templos religiosos frequentados pelos africanos: uma sala de orações que faz as vezes de mesquita e uma igreja evangélica.

Na falta de um imã na mesquita, o marroquino Safir Abdililah, 48, é o voluntário responsável por coordenar as cinco preces diárias obrigatórias em árabe. Ali chegam a se reunir até cem pessoas.

"Só venho fazer as orações e depois vou embora, porque infelizmente essa é uma rua suja", diz. A afirmação pode ser tomada no sentido literal -a via tem pontos viciados de lixo- ou metafórico, já que se trata de ponto de consumo de álcool e drogas.

O nigeriano Benson Okechukwu, 48, pastor da igreja evangélica Peculiar In Christ, participa de cultos em inglês ao menos três dias por semana. "Como temos fiéis de vários países da África, os cultos costumam ter algum intérprete para o português."

Na visão dele, as orações feitas nos últimos anos influenciaram na diminuição da degradação por ali. "Antes essa era uma rua cheia de mendigos. Hoje, há vários restaurantes abrindo e o aluguel até aumentou."

Moradora da Guaianazes há 11 anos, Jussara Pereira, 48, diz que, de fato, a rua tem melhorado. Mas, para ela, a mudança se deve à chegada de uma base da PM há cerca de um a ano, o que afastou usuários de crack.

Na onda do boom gastronômico da via, ela aproveitou para investir as economias em um novo restaurante mezzo colombiano mezzo peruano, que funciona há cerca de 15 dias. "Pensei: 'Todo mundo está abrindo, vou abrir também'".

A clientela chegou logo. Quando a reportagem esteve lá, no mês passado, colombianos já se aglomeravam no local para assistir ao jogo da seleção do país pelas Eliminatórias.


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