Folha de S. Paulo


De 'exclusivo' a avião 'maldito', Fokker 100 faz o último voo no Brasil

Ele ganhou fama de maldito no Brasil e chegou a mudar de nome para aplacar a resistência de passageiros, que temiam voar nele. Agora, dará adeus ao país.

Nesta terça-feira (24) aconteceu a última viagem com passageiros do Fokker 100 em solo brasileiro, um voo de cerca de 40 minutos sobre São Paulo, com saída e chegada em Congonhas, para imprensa e convidados.

Única empresa a operar com essa aeronave, a Avianca vai vender os seus dois últimos Fokker, hoje ultrapassados e mais caros do que concorrentes de fabricantes como Embraer, Boeing e Airbus.

A despedida para passageiros pagantes se deu no sábado (21), em um voo de Brasília a Congonhas. É o fim, para os passageiros, da história de uma aeronave emblemática no país, para o bem e para o mal.

A aeronave, de fabricação holandesa, se tornou popular no Brasil a partir de 1990 pelas mãos da TAM, então uma empresa regional. A empresa teve a ideia de aproveitar o avião, com 108 lugares, em um aeroporto então relegado à segunda categoria –Congonhas, hoje um dos principais do país.

Pedro Ladeira-28.mar.2014/Folhapress
Fokker-100 da Avianca após pouso de emergência, em Brasília, em março de 2014
Fokker-100 da Avianca após pouso de emergência, em Brasília, em março de 2014

Na ocasião, o aeroporto de Guarulhos, inaugurado em 1985, havia tirado todos os voos domésticos e internacionais de Congonhas, que ficou esvaziado e servindo a voos regionais. A TAM então batizou os Fokker, comprados novos, de "jato de Congonhas".

"Como só a TAM tinha os Fokker, a aeronave ficou muito ligada à imagem da companhia", diz Ruy Amparo, que entrou na empresa em 1989, justamente para trazer os Fokker em operação, hoje vice-presidente de operações e de manutenção da TAM.

De fabricação holandesa, a aeronave ajudou a transformar a TAM de companhia regional em uma das líderes em voos domésticos. "Pode-se dizer que ali a TAM começou a tomar o lugar que era da Varig", disse Gianfranco Beting, consultor, ex-diretor da Azul e um dos maiores especialistas em história da aviação comercial brasileira.

MALDITO

A boa fase foi até outubro de 1996, quando um deles, pintado "Number One" em razão de um prêmio recebido pela TAM, caiu em Congonhas logo após decolar, o que matou 99 pessoas –todas a bordo e mais três no chão.

Foi o início de uma série de incidentes que marcaram negativamente o avião por aqui.

(No mundo, o avião é bem reputado. Além do desastre da TAM, houve só três acidentes com morte –em 1993, na Macedônia, em 2007, na França e em 2012, em Mianmar.)

Em 1997, a porta de um Fokker explodiu no ar, o que ejetou um passageiro para fora; em 30 de agosto de 2002, dois aviões tiveram problemas com diferença de menos de uma hora –um pousou em uma fazenda no interior de São Paulo e outro de barriga no aeroporto de Viracopos. Um desses aviões é utilizado pela TAM para treinamento de tripulantes em terra e o outro está exposto no museu da empresa, em São Carlos (interior de São Paulo).

"Confesso que evitei e muita gente que iria voar me perguntava se deveria ir e o que eu achava", disse Sandra Assali, que perdeu o marido no acidente de 1996 e hoje dirige uma entidade de assistência a famílias de vítimas de desastres aéreos.

"Ele não merece a fama que teve. O problema de imagem no Brasil advém do fato de a TAM ter tido uma série de incidentes e o acidente, que não podem ser imputados ao projeto, mas sim à maneira como avião foi operado", diz Gianfranco Beting.

Ruy Amparo, da TAM, cita o fato de que, no relatório sobre o acidente em 1996, a Aeronáutica apontou problemas no relê do reversor do Fokker. O relatório também aponta que a fabricante disse à TAM que o reversor jamais abriria em voo, o que fez a companhia aérea deixar de treinar tripulantes em simulador para esse tipo de falha.

O documento relata ainda erros do comandante e de acompanhamento, pela TAM, de panes ocorridas.

Amparo diz que a imagem do avião ficou muito ligada à TAM porque a empresa, em boa parte dos últimos 30 anos, foi a única a usá-lo.

Foi em 2008 que a Avianca decidiu comprar 14 Fokker da American Airlines. Em razão da má fama da aeronave entre os passageiros, a Avianca o rebatizou de "MK-28".– o nome técnico da aeronave é MK-28 F100.

"A decisão de comprá-lo foi técnica. É um avião bom, confiável e cumpriu sua missão maravilhosamente bem", disse José Efromovich, presidente da Avianca. "As pessoas me perguntam por que MK-28. Porque é meu, chamo como quero", disse, rindo.


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