Folha de S. Paulo


Surfistas sentem água mais viscosa em praia de 'elite' atingida pela lama

O vento que sopra da terra para o mar, a maré com grande variação, a lua crescente caminhando para cheia. A manhã desta terça-feira (24) reunia as condições ideias para lotar de surfistas a praia de Regência, no Espírito Santo, uma das mais famosas do Brasil entre os esportistas pelas ondas de tubo de formação perfeita e longa duração, frequentes em praticamente o ano todo.

Na escala dos surfistas, Regência está para os capixabas como Maresias para São Paulo e Saquarema para o Rio. Em dias como esse, a orla de Regência reúne cerca de 50 surfistas vindos de diversas cidades. Mas, nesta manhã, nem uma dezena deles arriscou entrar no mar, por medo da enxurrada de lama que desce pelo rio Doce até o mar.

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Desde sábado (21), o mar capixaba recebe lama com rejeitos de minério de Mariana, cidade mineira vítima, no dia 5, do rompimento de uma barragem da Samarco, empresa controlada pela Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.

O point, um dos locais com incidência de ondas de tubo, fica a cerca de 4 km da foz do rio. A olho nu, o mar ainda estava azul-esverdeado, mas as manchas de lama já se aproximavam.

A textura e o gosto da água já tinha se alterado, no entanto, segundo Luis Claudio Rodrigues Barbosa, 29, e Alexandre Almeida Cavalcanti, 40. Moradores de Regência, eles foram uns dos poucos que se arriscaram a surfar nesta terça.

"Eu senti uma textura mais oleosa, mais grossa mesmo da água", disse Barbosa. Com sua prancha, no mar, a impressão que ele teve é a de que os peixes nadavam desnorteados, saltando para fora da água, uma cena diferente da encontrada em um dia normal de surfe.

"Eu pus a água na boca, e ela estava meio esquisita, como se estivesse com um pozinho, sabe?", descreve Cavalcanti. Em sua prancha, ele escreveu a mensagem "Help Regência".

O grupo reduzido de surfistas tirou fotos para, por meio de um site criado no vilarejo, levar a mensagem a surfistas de todo o país e a grandes nomes do esporte.

Nas redes sociais, praticantes lamentaram a chegada da lama à praia de Regência. "Difícil ver essa cena. Essa lama tóxica de Mariana invadindo Regência, um paraíso que tive o prazer de conhecer", escreveu o surfista Pedro Scooby.

Infográfico: Dano ambiental

JOIAS DE REGÊNCIA

Há 12 anos o trabalho de divulgar as ondas perfeitas de Regência tem sido capitaneado por Robson Barros da Rocha, presidente da associação de surfistas do vilarejo.

Ele vem de uma época, conta, em que a única "joia da coroa" de Regência eram as tartarugas-marinhas, que se reproduzem na praia do vilarejo e cuja desova é monitorada pelo Tamar, um dos projetos de proteção ambiental mais conhecidos do país.

"Ninguém aqui dava importância para o surfe, só falavam das tartarugas. Foi uma luta para divulgar as ondas de tubo de Regência. Aqui depois já rendeu filme e gente famosa veio surfar", conta Robson, listando o tenista Gustavo Kuerten e o cantor Gabriel Pensador entre eles.

Nesta terça, Robson tirou sua prancha do carro, como costuma fazer, e observou o mar ainda azul. "Mas, rapaz, estou tão triste com essa lama que nem consigo entrar no mar", disse.


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