Folha de S. Paulo


Teste de droga terá de enviar fio de cabelo de motorista aos EUA

Para cumprir uma exigência legal, a partir de janeiro do ano que vem fios de cabelo de motoristas profissionais do país precisarão ser enviados para análise nos Estados Unidos –um negócio bilionário nos próximos anos.

A estimativa é que 2,4 milhões de procedimentos do tipo terão de ser feitos anualmente devido à controversa Lei dos Caminhoneiros -aprovada pelo Congresso e que, embora sancionada pela presidente Dilma Rousseff em março, tem sido criticada no próprio governo federal.

A lei vai obrigar todos os condutores das categorias C, D e E –incluindo caminhoneiros e condutores de ônibus– a passar por um exame toxicológico de larga janela de detecção. Enquadra-se nessa situação um contingente de mais de 13 milhões de motoristas profissionais no país (um terço deles autônomos).

O teste do fio de cabelo será obrigatório no momento de obter ou renovar a carteira de habilitação e, a partir de março, em toda admissão ou demissão desses motoristas.

O Contran (Conselho Nacional de Trânsito) estima um custo aproximado de R$ 400 por exame -correspondente a R$ 960 milhões por ano.

Esse procedimento permite verificar se houve consumo de drogas como maconha, cocaína e anfetaminas nos 90 dias anteriores à análise. Exames de urina, sangue ou saliva só detectam a utilização dessas substâncias em um período de no máximo cinco dias antes da coleta.

A lei e os regulamentos que detalham como esse teste deve ser feito ignoraram a realidade nacional: não existe laboratório brasileiro que tenha capacidade de fazer a análise dos fios de cabelo nessa escala e com a certificação exigida, emitida pelo Colégio Americano de Patologia.

Como é feito o teste

Assim, as empresas que hoje oferecem esse serviço na realidade apenas coletam material no país para encaminhá-lo a laboratórios nos EUA. O laudo com resultados é enviado de lá via internet.

"Não há dúvida de que houve um lobby por solicitação americana", diz Dirceu Rodrigues Alves Junior, da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).

A instituição é contrária ao exame toxicológico por considerar que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. "Além disso, não é crime ser usuário de drogas. O que não pode ocorrer é seu consumo no momento da condução veicular", afirma.

DINHEIRO PARA FORA

Na avaliação do próprio Ministério da Saúde, a adoção dessa medida não trará redução de acidentes ao país.

Indicado pelo governo Dilma como diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e presidente do Contran (conselho que regulamenta os exames para obter ou renovar a CNH), Alberto Angerami também faz críticas ao texto aprovado.

"Não estamos em situação tão boa no país para mandar dinheiro aos Estados Unidos", afirmou à Folha.

"Tento não mexer no bolso do trabalhador. Foi com intenção de minimizar seus custos e de incentivar a concorrência que adiei a obrigatoriedade do exame para janeiro de 2016 [inicialmente era previsto para junho de 2015]. Gostaria que houvesse muitos laboratórios brasileiros oferecendo esse procedimento", afirma Angerami.

O mercado atualmente é dominado por três laboratórios associados a grupos americanos, que juntos respondem por 90% dos exames feitos no Brasil -polícias e Forças Armadas, além de empresas de aviação, já exigem que seus funcionários passem por esse procedimento.

O Ministério do Trabalho e Emprego publicou na semana passada portaria disciplinando como será feita a análise dos fios de cabelo nos casos de admissão e demissão de motoristas. Nessa esfera, os empregadores é que deverão custear os exames -diferentemente do que ocorre para renovar ou obter a carteira.

Um porta-voz da pasta declarou à Folha que é necessário desenvolver políticas públicas para esse setor de motoristas profissionais, pois 15% dos acidentes fatais de trabalho no país ocorrem em acidentes de caminhão.

ADAPTAÇÃO

Representante das três empresas que hoje dominam o setor, a Associação Brasileira de Laboratórios Toxicológicos prevê resolver após um ano duas das principais reclamações quanto ao exame de drogas em motoristas: seu custo e o fato de a análise ser feita nos Estados Unidos.

"Esse é um procedimento extremamente complexo, custoso, e só é possível mantê-lo quando feito em grande escala", disse Marcello Santos, presidente da Abratox.

De acordo com ele, hoje são feitos cerca de 40 mil exames toxicológicos por ano no país, número insuficiente para atrair investimentos.

Além disso, os laboratórios brasileiros ainda não têm acreditação forense, certificação que impede que os resultados da análise sejam questionados judicialmente. Por isso, os clientes preferem os diagnósticos dos EUA.

O presidente da Abratox diz que as empresas terão unidades laboratoriais no Brasil um ano após os procedimentos previstos pela Lei dos Caminhoneiros se tornarem obrigatórios -em 2017. Com mais de 200 mil exames por mês, avalia que o custo cairá de R$ 400 para perto de R$ 250.

"O mercado se ajusta. Aconteceu a mesma coisa com o teste do DNA nos anos 1990, quando eram feitos no exterior. Atualmente as análises já acontecem dentro do país", compara Santos.

Para o presidente da Abratox, o mais importante é debater o mérito da questão. "A pergunta fundamental é: isso trará mais segurança? A resposta é sim. Atualmente, há altíssimo uso de estimulantes ilegais entre os motoristas brasileiros, e o teste os impedirá de circular."


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