Folha de S. Paulo


Cauê Monaco, 35

Não penso em cura, diz médico que levou 15 anos para saber de sua doença rara

Adriano Vizoni/Folhapress
O médico e professor Cauê Monaco, que tem uma doença genética rara que provoca atrofia nos músculos e paralisia
Com os pais, o médico e professor Cauê Monaco, que tem uma doença genética que provoca paralisia

O médico Cauê Monaco demorou 15 anos para ter o diagnóstico da doença genética rara que lhe causa atrofia muscular e paralisia. Nesse período, a família visitou vários especialistas e tentou muitas terapias alternativas.

Hoje, professor universitário e editor de conteúdo em português do BMJ (British Medical Journal), ele se diz cético sobre a cura e busca adaptações na casa e no carro que lhe tragam mais autonomia.

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Quando eu nasci, não havia nada de diferente. Aos seis meses, não sentava, mas os médicos diziam que estava dentro do normal. Aos dois anos, como ainda não andava, começaram a desconfiar.

Meus pais iniciaram uma maratona de consultas a especialistas, exames, fisioterapia. Os médicos sabiam que era uma doença neuromuscular, mas ninguém dava um nome ou sabia como tratar.

Aos quatro anos, comecei a desenvolver escoliose [desvio da coluna]. A doença impedia que o impulso nervoso chegasse ao músculo.

Aos quatro anos, já na escola, comecei a me sentir diferente. Eu engatinhava, as outras crianças andavam. Aos cinco anos, andava me segurando nas pessoas.

Mais tarde, numa escola pública maior, sofria bullying. Andava me apoiando nas carteiras e nas paredes. Uns meninos apertavam a minha mão quando eu estava me apoiando. Eu chorava.

Minha mãe corria atrás de qualquer esperança de cura. Sessões de RPG, natação, acupuntura, homeopatia, cirurgias espirituais, câmara hiperbárica, sebo de carneiro nas pernas.

Era cruel criar expectativa, acreditar que um dia andaria, correria como as outras crianças, e me frustrar a cada tratamento mirabolante.

Aos 12 anos, fui a um médico referência na ortopedia. A consulta atrasou e minha mãe estava preocupada com o horário da minha prova de inglês. Ele disse: "como o corpo não funciona, põe para estudar mesmo". Minha mãe ficou possessa, mas eu não liguei. Só achei estranho ele se colocar entre os três melhores ortopedistas do mundo.

Nesse período, comecei a pensar em ser médico. Queria um dia fazer diferente do que eu via no meu dia a dia: médicos estúpidos, que tratavam mal os pacientes. Lembro-me de, na fila do Hospital das Clínicas, ver uma médica gritar com um senhorzinho que não entendia o que ela dizia: "o senhor é burro?".

Também queria ser médico para assumir as rédeas do meu caso. Estava cansado de tantas incertezas.

Aos 15 anos, durante um intercâmbio nos Estados Unidos, uma fisiatra também me marcou ao dizer: "daqui a dez anos você não andará mais". Saí de lá chorando. Mas ela estava certa. Aos 25 anos, não consegui mais andar.

Adriano Vizoni/Folhapress
O médico e professor Cauê Monaco, que tem uma doença genética rara que provoca atrofia nos músculos e paralisia
O médico e professor Cauê Monaco, que tem uma doença genética rara que provoca atrofia e paralisia

Foi o doutor Acary Souza Oliveira o responsável pelo diagnóstico correto da minha doença [Dejerine-Sottas, doença que afeta os nervos e causa atrofia e paralisia]. Eu tinha 15 anos. Também foi minha referência médica.

Fiz um ano de cursinho e passei na [faculdade] Santa Casa de São Paulo em 2000. Era bem complicado. Muitas salas só eram acessíveis por escada e eu subia os degraus com muita dificuldade.

Por conta da grave escoliose, só tenho 30% da capacidade respiratória, o que também me dava muito sono.

A pressão psicológica era grande. Uma professora de enfermagem, por exemplo, tentou me impedir de prosseguir o curso. Exigiu que eu apresentasse um laudo do neurologista que atestasse as minhas condições de cursar medicina. O que me faz médico é o conhecimento que eu tenho, não a minha doença.

Na época do internato, deprimi e tomei antidepressivos. Já não andava mais e dependia do carrinho [triciclo motorizado] para me locomover, o que me impedia de participar das cirurgias. Tentamos uma adaptação do currículo, mas o diretor da faculdade não aceitou.

Havia também um preconceito velado entre os colegas. Festas e viagens que aconteciam e não me chamavam ou mesmo grupos de estudo em que não me incluíam.

Me formei em 2005 e, na época, passei na residência de psiquiatria, mas desisti. Preferi fazer uma pós-graduação em medicina de família. Não penso mais em cura. O prognóstico da minha doença é incerto.

Hoje, minha preocupação é buscar adaptação para a minha casa que me traga mais autonomia [ele depende dos pais para ir ao banheiro ou tomar banho]. Também sonho com um carro adaptado que me permita entrar e sair sem depender de ninguém.


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