Folha de S. Paulo


Com medo, vizinhos de barragens em MG ficam 'prontos para fugir'

Dona de um restaurante no vilarejo de Antônio Pereira, em Ouro Preto (MG), Iria Cesária Teixeira, 67, está pronta para fugir. Vivendo à base de remédios para controlar o nervosismo, ela já separou os documentos, deixados em cima do armário. "A casa recupera depois, o importante é não perder a documentação."

O distrito de cerca de 4.500 habitantes onde Iria mora fica próximo a duas barragens de mineração, uma da Vale e outra da Samarco (Germano).

O local não foi afetado pelo "tsunami de lama" após o rompimento de duas barragens na vizinha Mariana, mas a tensão se instalou ali e se agravou na quarta-feira (10), quando apareceu um buraco de três metros na barragem de Germano.

A Samarco está realizando obras de reparo e os bombeiros bloquearam o acesso ao local de moradores, que tentavam recuperar seus objetos. Desde então, ninguém consegue dormir tranquilo.

"A gente fica revezando. Quando uma de nós está dormindo, a outra fica acordada, e assim por diante", conta Vanessa Ribeiro, 33, que mora com a mãe, a irmã, duas filhas e duas sobrinhas.

Um de seus vizinhos de rua, Cícero deixou a casa durante a noite. "Ele saiu com o filho de um ano dizendo que está com medo de Germano romper", disse Vanessa.

Antônio Pereira fica mais próximo da barragem da Vale, que não apresentou sinais de risco até o momento. "Mas a Samarco também disse que não havia risco na barragem de Bento Rodrigues e ela estourou. Ou seja, é duvidoso", afirmou o mecânico Claudemir Pereira, 50.

A dona de casa Simone Rodrigues, 30, acabou de se mudar para o distrito e já quer ir embora. "Morro de medo dessa barragem", disse, com o filho de três anos nos braços.

Os moradores dizem que pediram a representantes da Vale a instalação de um alarme para emergências. Procurada, a Vale respondeu apenas que verificou recentemente a estrutura de 115 barragens e que tem planos de emergência com procedimentos de comunicação e alerta.

Google/Reprodução e Ricardo Moraes - 10.nov.2015/Reuters
Visão geral do município de Bento Rodrigues antes e após o rompimento da barragem
Visão geral do município de Bento Rodrigues antes e após o rompimento da barragem
Visão geral do município de Bento Rodrigues antes e após o rompimento da barragem
Visão geral do município de Bento Rodrigues antes e após o rompimento da barragem

DOUTORADO

Em sua tese de doutorado, feita em 2012 na UnB (Universidade de Brasília), o geólogo Maurício Boratto constatou em entrevistas –com 50 dos cerca de 650 moradores de Bento Rodrigues, vilarejo mais afetado pela lama de rejeitos– que dois terços deles temiam o rompimento da estrutura. Para ele, a porcentagem não era alarmante.

"Toda comunidade próxima a uma barragem tem esse medo. É como morar ao lado de um aeroporto: você vai ter medo de cair um avião", afirmou Boratto à Folha.

O pesquisador disse ainda que a tragédia não era iminente e que, em seu estudo, a Samarco foi bem avaliada em comparação a outras nove mineradoras. Ressaltou, no entanto, que visitou o local há cinco anos e que as condições podem ter mudado.

A maior reclamação dos moradores, segundo o estudo, foi quanto à poluição das águas. Bento Rodrigues fica às margens de um córrego no qual, a poucos quilômetros dali, eram lançados os efluentes das barragens. "Foram inúmeras as reclamações quanto ao mau cheiro da água do córrego, inviabilizando o seu uso para banho, pesca", escreveu na tese.

A empresa dizia na época que não havia nada anormal.

Clique e veja galeria do desastre causado pelo 'tsunami de lama' em MG e ES

Veja galeria especial sobre a tragédia em Mariana (MG)


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