Folha de S. Paulo


Motorista do Uber e taxista ficam noivos apesar de luta contra aplicativo

Bruno Santos/Folhapress
O casal de noivos Márcio e Eunice; ele trabalha em táxi comum, ela faz bico com o Uber
O casal de noivos Márcio e Eunice; ele trabalha em táxi comum, ela faz bico com o Uber

Ela vai de SUV automático. Ele, de carro popular cinco marchas. Ela faz um dinheiro extra. Ele dirige 12 horas por dia. Ela utiliza o Uber. Ele, o bom e velho taxímetro.

Eles estão em lados opostos de uma polêmica em São Paulo. E estão noivos.

Quem teve a ideia foi Márcio (nome fictício)*, 42, taxista há dois anos. Sua noiva, a bancária Eunice (nome fictício), 48, estava para se aposentar e não sabia o que fazer depois que saísse do banco.

No começo deste ano, Márcio ouviu falar de um aplicativo que conectava passageiros a motoristas particulares. "Eu nem sabia o que era Uber", conta ele.

Eunice tinha comprado um carro novo e queria aumentar a renda. O tal aplicativo parecia perfeito para ela. Mas veio a polêmica.

Com medo da concorrência, taxistas protestaram contra o aplicativo. Motoristas do Uber chegaram a ser perseguidos e agredidos; um foi até sequestrado. Alguns carros -sedãs pretos, de luxo- foram danificados por taxistas.

Vereadores entraram na briga e aprovaram uma lei proibindo o serviço. O prefeito Fernando Haddad (PT) considerou que, sem alvará nem permissão da prefeitura, o Uber era clandestino. Apontou risco de precarização e "canibalização" no mercado de trabalho. A empresa retrucava: "não somos uma empresa de táxi".

Em outubro, Haddad criou um modelo de táxi de luxo para tentar enquadrar o Uber, o chamado "Táxi Preto". Não rolou conciliação, e a empresa rejeitou a proposta. Diz que vai continuar do jeito dela até uma possível regulamentação do serviço.

A briga continua. O namoro ainda não tem perspectiva de acontecer.

JOVENS E VELHINHOS

Os noivos Márcio e Eunice não quiseram saber da briga. Por sugestão dele, Eunice procurou o Uber e começou a rodar fazendo corridas.

Às 17h, sai do banco e já checa se há chamadas no aplicativo. Desde setembro, faz de cinco a oito corridas por noite -de quarta a sábado. "Não consigo 'parametrizar'", diz, em linguagem bancária. "Mas acho que minha renda aumentou 30%."

Ela atua pelo UberX, modelo 15% mais barato que o táxi-não precisa ser sedã preto, de luxo, nem ter motorista engravatado. Os jovens são seus principais clientes. "Os mais velhinhos ainda preferem o táxi", brinca.

O noivo concorda. "Meus passageiros são mais velhos mesmo. Gente que está na rua e chama táxi fazendo sinal com a mão, muitos não sabem usar aplicativos", diz.

Ele defende o Uber. "Minha renda continuou a mesma. Existe algum taxista que começou a ter prejuízo? Não conheço nenhum", desafia.

Márcio já começa o mês devendo: precisa pagar R$ 2 mil mensais no aluguel de um alvará. Não pretende, no entanto, trocar de modelo.

Antes de se casar com Eunice, quer juntar dinheiro para comprar um alvará, que custa em torno de R$ 120 mil no mercado paralelo.

"Para mim, o táxi é mais vantajoso. Posso andar na faixa de ônibus, isso já é bastante coisa em São Paulo", diz.

NINGUÉM VÊ

Um dia, Eunice precisou levar um passageiro em um centro de eventos na zona norte da cidade, lugar com muitos táxis. Ficou com medo de ser reconhecida como motorista do Uber.

Nervosa, ligou para o noivo, pedindo dicas de como despistar os taxistas e uma possível fiscalização. "Falei para ela encostar normalmente e desembarcar o passageiro", conta Márcio. Deu certo e ela passou despercebida.

"Taxista acha que motorista do Uber é homem, que chega de sedã preto e terno", diz Márcio, que não tem medo de ver sua noiva agredida por algum de seus colegas.

"Ninguém me vê. Chego de vestido e salto, numa SUV, e daí? Motorista do Uber? Ninguém acredita", ri Eunice.

Os dois estão juntos há dez anos. O casamento ainda não tem data para acontecer.

*O casal aceitou posar para fotos, mas pediu para ser identificado com nomes fictícios


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