Folha de S. Paulo


Cemitérios de SP viram destino de entulho e abrigo de sem-teto

Lápides, garrafas, roupas íntimas e até um vaso sanitário engrossam pilhas de entulho acumuladas ao longo de cerca de 200 metros dentro do cemitério da Saudade, em São Miguel Paulista, no extremo leste de São Paulo.

Usando chinelos, os irmãos José Francisco Pinheiro, 67, e Anita Pinheiro, 56, cruzaram a montanha de lixo para acender uma vela e limpar a foto no ossário do irmão. "Acho que essa sujeira foi trazida pela chuva", imaginou José.

Enquanto ele falava com a reportagem, dois funcionários do próprio cemitério despejavam entulho e placas de cimento usadas para fechar covas a menos de 50 metros dali. Em 20 minutos, a mesma dupla voltou a descarregar mais um trator pequeno cheio de lixo no local.

O descaso se repete em outros cemitérios visitados pela Folha na última semana. No Vila Nova Cachoeirinha (zona norte), além de entulho, há muito lixo e mato com mais de um metro de altura entre os túmulos.

A situação só não está pior porque moradores de rua que dormem no cemitério limpam alguns túmulos e áreas comuns, em troca de doações.

"Alguns [visitantes] ajudam, e os funcionários acham ruim. Eu aceito roupas, alimentação, qualquer coisa", diz Jorge Felipe, 21. Ele cuida de até 20 túmulos por dia nas semanas próximas ao feriado do Dia de Finados.

Sem-tetos que vivem ali dizem ser agredidos por funcionários do cemitério. Eles dormem ao lado de muros e até em cima de sepulturas.

Visitantes dizem que o cemitério estava limpo na última semana porque a prefeitura criou uma força-tarefa às vésperas do feriado.

"É sempre bem mais sujo. O mato fica na altura da cintura. Esses dias, levei um coveiro até uma pilha de ossos. Ele pegou tudo com as mãos e jogou fora, um absurdo", disse a dona de casa Arminda Fernanda Moreira, 51.

O cemitério tem diversos túmulos abertos, sem isolamento ou alerta de perigo. A maioria é cercada por centenas de mosquitos que denunciam o forte cheiro de material em decomposição nos arredores.

A capela também é alvo de reclamações. Recém-reformada, ela é usada como galpão para guardar armários.

FURTOS

O cemitério do Araçá (centro), conhecido pelas esculturas de artistas famosos e personalidades enterradas, agora ganhou a má fama pelo alto índice de furtos.

A advogada Vera Lucia de Matos, 70, disse que bandidos furtaram as placas, o portão e o porta-vasos do túmulo do pai dela, em abril deste ano.

"A segurança só fica na porta. As últimas quadras estão abandonadas. O descaso só não é maior porque a gente paga para outras pessoas cuidarem", afirmou Matos.

Vítimas relatam à Folha que os bandidos invadem o local na madrugada e jogam as peças por cima do muro a um comparsa do lado de fora. Para evitar as ações, a prefeitura está construindo um canil para cães de guarda.

Uma auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município) feita em junho também identificou que o número de funcionários para limpar os cemitérios São Pedro, Vila Mariana e Santo Amaro era menor que o exigido. Na mesma época, auditores do TCM presenciaram túmulos desabados após uma erosão no cemitério São Pedro.

OUTRO LADO

A Prefeitura de São Paulo informou que já retirou todo o lixo do cemitério da Saudade. A administração disse ainda que vai suspender a autorização de trabalho dos coveiros que jogam lixo no espaço.

A gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) informou que algumas covas ficaram abertas no cemitério Vila Nova Cachoeirinha após exumações -quando ossos são retirados e levados a ossários.

O Serviço Funerário informou que a capela do cemitério está fechada para a preparação para uma missa no feriado de Finados. Também não há há registros de agressões a moradores de rua.

Em relação ao Araçá, a prefeitura disse que está contratando uma empresa de vigilância com cães de guarda e câmeras para reforçar a segurança, e que a Guarda Civil Metropolitana já recuperou centenas de peças furtadas.

Os cuidados com os túmulos são de responsabilidade das famílias, mas a gestão Haddad disse reformar os que tiveram os portões furtados "em respeito à população".

A prefeitura também afirmou que, no Cemitério São Pedro, um erro de construção provoca a formação de "piscinas" que sobrecarregam as lajes dos túmulos, mas que um novo sistema de escoamento de águas pluviais está sendo elaborado. Ela ainda disse que o relatório do Tribunal de Contas do Município foi feito com base em apenas um dia de visitação.


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