Folha de S. Paulo


Paulista com Down quebra estigma e chega ativo aos 60

Quando o menino Charbel Gabriel Cury nasceu, em 1954, poucos sabiam o que era síndrome de Down.

"Naquele tempo, se falava em mongolismo", lembra a irmã Janete Cury Saad, 78.

A expectativa de vida de quem exibia os típicos sinais da síndrome era de 30 anos, e a maioria das famílias escondia o filho em casa.

Com Charbel foi diferente. Hoje, ele tem 60 anos. Saudável, tem dois empregos, faz natação e academia e participa de um grupo da igreja.

A vida do morador de Botucatu, no interior de São Paulo, foi tema de um documentário lançado em 16 de outubro, durante o Congresso Brasileiro de Síndrome de Down, pelo Instituto Alana.

Zanone Fraissat/Folhapress
Charbel Cury, que foi rejeitado em escola regular quando tinha 12 anos por ter síndrome de Down
Charbel Cury, que foi rejeitado em escola regular quando tinha 12 anos por ter síndrome de Down

A ideia do projeto era quebrar o tabu de que pessoas com Down não chegam a envelhecer ou podem representar um fardo para a família.

"Há muitos pais que se preocupam: 'E depois que eu morrer?'", diz Estefania Lima, porta-voz do Alana.

"A história do Charbel quebra esse estigma. Mostra que, com oportunidades, uma pessoa com Down pode se desenvolver e ter uma vida como outra qualquer", completa a representante da entidade.

SONHO

O pai de Charbel morreu há 15 anos; a mãe, há 34. Desde então, ele mora com a irmã Janete, responsável legal por ele.

Ela foi a primeira a ter uma pista sobre a condição do irmão. "Uma vez ouvi um professor falando de mongolismo na escola e pensei: 'Será que é isso que o Charbel tem?'", comenta.

O irmão tinha cerca de dez meses à época.

Por indicação de um vizinho, a mãe procurou um neurologista. A orientação era estimulá-lo e discipliná-lo para que ele se comportasse como as outras crianças.

ESCOLA

"O sonho dela era fazer dele um menino com atitudes normais. Fazer dele um homem, como ele é", afirmou a irmã Jamila Cury, em entrevista ao documentário.

Em Botucatu, a escola regular não quis aceitá-lo. "A mamãe saiu chorando de lá. Foi chocante", conta também Jamila.

Somente aos 12 anos Charbel foi para uma escola especial, em São Paulo, onde ficou por um ano.

"Lá ele aprendeu a comer, amarrar o tênis, o sapato, tudo, tudo, tudo", lembrou a irmã. O garoto aprendeu a ler apenas mais tarde, com uma professora particular, que o ensinou as letras e sílabas com quebra-cabeças e blocos.

CARIMBOS

Hoje, Charbel trabalha voluntariamente num escritório de advocacia e na secretaria municipal da Fazenda, onde carimba as páginas dos processos de licitação. Na igreja, participa de um grupo pastoral e distribui os folhetos antes da missa.

"Eu gosto de tudo na minha vida", afirma Charbel à Folha. "Se eu sou feliz? Ô! Eu tenho tudo."

"Ele é o elo, é quem une a família. O aniversário dele é a única festa em que não falta ninguém", afirma Janete.

Em dezembro, Charbel faz 61 anos. A família, incluindo os 18 sobrinhos, são presença certa. Assim como a trilha sonora: Roberto Carlos, o cantor preferido de Charbel.

O documentário pode ser acessado no site Videocamp.


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