Folha de S. Paulo


Debate sobre porte de armas renasce após comissão afrouxar estatuto

As mudanças aprovadas no Estatuto do Desarmamento por uma comissão especial da Câmara, nesta semana, trouxeram à baila o debate sobre o controle de armas no Brasil, assunto intrinsecamente ligado à violência urbana e tema de um referendo realizado há dez anos.

Com o apoio das fábricas de armas e de uma chamada "onda conservadora" sob o comando do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), parlamentares aprovaram alterações na lei que, na prática, a descaracteriza completamente da maneira em que foi aprovada e abre caminho para aumentar a circulação de armas no país.

O estatuto estipulou requisitos mínimos para a compra de armas, maior controle sobre a venda de munições, proibiu o porte para civis, estabeleceu renovação periódica do registro, tipificou o crime de comércio ilegal de armas, entre outros pontos.

Na comissão da Câmara, parlamentares aprovaram um texto que, entre outros pontos, reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra de armas, amplia a validade do porte de três para dez anos, autoriza pessoas processadas ou investigadas a ter e portar armas, além de estender o porte para outras autoridades, como deputados, senadores, guardas de trânsito e oficiais de Justiça.

Entre os 54 deputados da comissão especial (incluindo titulares e suplentes), 11 deles –20%– tiveram suas campanhas eleitorais bancadas pela indústria das armas.

Infográfico: Mudança no Estatuto do Desarmamento

Para as mudanças passarem a ter validade, contudo, o projeto ainda terá um longo caminho em Brasília. Agora, ele deve ser submetido ao plenário da Câmara dos Deputados. Se aprovado, vai para o Senado. Se não houver modificações nesta Casa, segue para a presidente da República, que pode sancionar ou vetar o texto.

Para os defensores das alterações, o estatuto não impediu o crescimento da taxa de homicídios. Os números da segurança pública, contudo, mostram retração no crescimento se comparado ao período anterior da entrada em vigor da lei, em 2004.

"É preciso deixar claro uma coisa: não há relação entre mais armas e aumento do número dos crimes", diz o deputado federal Rogério Peninha (PMDB-SC), autor do projeto original que acabou modificado na comissão.

O pesquisador Fabrício Rebelo, defensor da liberalização das armas, afirma que as estatísticas evidenciam o fracasso do Estatuto do Desarmamento. Cerca de 70% dos homicídios no Brasil são cometidos por arma de fogo –antes de a lei ser aprovada, o índice era de 65%.

A média mundial de mortes cometidas com armas de fogo, segundo a ONU, é 42%.

Para Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, o estatuto não é um "remédio milagroso" para reduzir a violência, mas, segundo ele, os avanços são inegáveis.

"Desde a década de 1980, a taxa de homicídio brasileira cresceu uma média de 8% ao ano. Após o estatuto, a velocidade do crescimento diminuiu. Há uma contenção clara da violência armada", afirma Marques.

Os dois lados, no entanto, estão de acordo que o Estatuto do Desarmamento, por si só, não amenizará a situação da violência –é grande, por exemplo, a quantidade de armas clandestinas que entram no país pelas fronteiras.


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