Folha de S. Paulo


Willians Halles Oliveira Silva, 43

De São Gonçalo a Dubai: carioca dá volta ao mundo como chef

O Halles é referência ao banco brasileiro, que existiu na década de 1970, onde seus pais se conheceram. Já o Willians, ele suspeita que "foi para ficar mais americanizado".

E assim surgiu Willians Halles Oliveira Silva, um garoto criado em bairro pobre da região metropolitana do Rio que literalmente descobriu o mundo a partir da cozinha.

Aos 43, ele foi um dos oito chefs selecionados para a final do Bocuse D'Or, concurso de gastronomia disputado durante a Sirha –feira de negócios francesa que ganhou edição carioca na semana passada.

*

Em 1998, soube que um chef francês importante chamado Roland Villard estava no Rio para comandar o restaurante Le Pré Catelan, no hotel Sofitel, em Copacabana.

Cheguei lá e me apresentei. Ele disse que já tinha um subchefe. Falou que só teria uma vaga de segundo cozinheiro, com salário de R$ 300. Na época, eu ganhava R$ 1.500 como chef de um restaurante na zona norte.

Mesmo assim, eu quis aquela vaga. No início, foi difícil. Me endividei, faltou dinheiro, acabou o casamento. Ela não soube entender o investimento que eu estava fazendo.

Dois anos depois, o Roland me apresentou a um amigo que trabalhava na Silversea (companhia europeia especializada em cruzeiros de luxo). Havia uma vaga de chef em um dos transatlânticos da empresa. Salário de US$ 4.500, sendo que, dentro do navio, não teria despesas com hospedagem ou alimentação.

Só que eu precisava falar bem inglês. Me deram um prazo de seis meses para aprender. Me matriculei numa escola, contratei professor particular, ouvia inglês 24 horas por dia.

No dia do embarque, o chef-executivo, um austríaco, veio me receber. Quando me apresentei, o gringo me proibiu de entrar no navio porque meu inglês era muito ruim.

Ele ligou para um executivo da Silversea, que autorizou meu embarque. Mas ficou acertado que, se algo desse errado durante a viagem pelo Atlântico, eu desceria na África do Sul e voltaria para casa.

Acabei aprendendo a falar inglês e francês com fluência. Fiquei por quase oito anos nesta vida em alto-mar. É difícil definir o significado da cozinha na minha vida. Foi a minha salvação.

Minha mãe me abandonou quando eu tinha dois anos. Me deixou na casa de um tio e nunca mais voltou. Morei com ele por um ano e aí meu pai apareceu. Fui com ele para Taubaté [a 140 km de São Paulo].

Sete anos depois, ele morreu. Aos nove anos, voltei a morar com meu tio na comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo [na região metropolitana do Rio]. Como não havia ninguém para ficar comigo, passei a ir com ele para o trabalho.

Meu tio era chef no restaurante de um hotel em Copacabana. Passei parte da minha infância naquela cozinha. Era uma diversão. Me lembro de ajudar a enrolar brigadeiros. Aos 14, fui trabalhar como ajudante em um restaurante italiano em Ipanema, depois passei por outras cozinhas, até ter a oportunidade de conhecer o mundo.

Estive em todos os continentes. O navio parava dois ou três dias em cada cidade, tempo livre suficiente para aproveitar a vida de solteiro. Me hospedava nos melhores hotéis, ia aos melhores restaurantes. Em Dubai, me hospedei no Burj Al Arab, aquele hotel em formato de barco. Em Saigon, aluguei uma limusine para ir a um restaurante badalado da cidade.

Não economizava um centavo. Torrava tudo. O Roland me dizia para guardar dinheiro. "Willians, no futuro você vai viver de quê? De histórias?" Em tom de brincadeira, eu respondia: "Sim, Roland, vou viver das minhas histórias".

Dentro do navio, fiz um jantar para Nelson Mandela. Fui ao salão para cumprimentá-lo. Preparei outro para a família real de Mônaco. Imagina só, um cara que saiu da favela, nunca teve nada, com a oportunidade de viver tudo isso.

Só que sentia falta do Brasil e queria ter uma família de verdade. Liguei para o Roland e disse que queria voltar. Ele me convidou para ser seu subchefe no Le Pré Catelan. Voltei em 2007, cheio de histórias e sem um tostão no bolso. Ao chegar, comecei a namorar uma aluna de gastronomia, Stefanie, que fazia estágio no hotel.

Nos casamos e tivemos dois filhos: Marco Antônio, 4, e Valentina, de quatro meses. Com minha mulher, aprendi a economizar. Há dois anos, compramos um apartamento no Méier [bairro da zona norte carioca], onde moramos até hoje.

Na mesma época, Roland me indicou para uma vaga do restaurante Caesar Park (que entrou para a rede Sofitel), em Ipanema. Virei chef-executivo.


Endereço da página:

Links no texto: