Folha de S. Paulo


Acusados de propina, 11 fiscais de SP negociaram ao menos 143 imóveis

Adriano Vizoni/Folhapress
Fachada de imóveis comerciais do agente fiscal Eduardo Takeo Komaki, segundo a Promotoria
Fachada de imóveis comerciais do agente fiscal Eduardo Takeo Komaki, segundo a Promotoria

Onze fiscais de São Paulo investigados sob suspeita de cobrar propina de empresas no Estado compraram ou venderam em seus nomes ao menos 143 imóveis que, juntos, valem cerca de R$ 62 milhões.

Na lista estão casarões em bairros nobres da capital paulista, apartamentos de frente para a praia em Niterói (RJ) e fazendas no Centro-Oeste.

Ao menos metade das negociações ocorreu nos últimos 15 anos –os valores dos bens foram atualizados com base em pesquisas da reportagem no mercado imobiliário.

Todos os fiscais, a serviço da Secretaria da Fazenda de SP, são suspeitos de exigir pagamento de empresários para reduzir a cobrança de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e barrar multas por sonegação.

Os fiscais ganham em média cerca de R$ 20 mil/mês.

Na semana passada, a Justiça paulista bloqueou parte dos bens identificados pela Promotoria de dois desses agentes fiscais: 27 propriedades do servidor José Roberto Fernandes e 11 imóveis de Eduardo Takeo Komaki.

Os demais 105 imóveis em nome dos fiscais foram levantados pela Folha em cartórios de diferentes regiões do país.

Em agosto passado, 12 agentes a serviço do governo paulista foram denunciados sob suspeita de exigir dinheiro e formação de quadrilha –a reportagem não encontrou nenhum imóvel em nome do fiscal Marcelo Santos.

Eles atuavam nas regiões da Grande São Paulo, de Santos, de Sorocaba e do Vale do Paraíba –atualmente ou estão aposentados ou foram afastados de suas funções.

Alguns foram presos, mas liberados após pagamento de uma fiança de R$ 350 mil.

A Justiça decidirá agora se aceita ou não a denúncia do Ministério Público após a apresentação de defesa preliminar dos suspeitos, prevista para ocorrer até novembro.

Infográfico: Entenda a máfia do ICMS

PROPINA

Segundo a investigação da Promotoria, entre 2006 e 2013 eles recolheram cerca de R$ 16 milhões da empresa Prysmian, uma das líderes mundiais no ramo de fios e cabos e que aceitou pagar propina em troca do cancelamento de multas e redução do imposto na importação de cobre.

Executivos da Prysmian denunciaram a cobrança à Promotoria, que também investiga a ação da quadrilha na extorsão a outras empresas. Segundo os promotores, em princípio, essa empresa de fios e cabos está na condição de vítima e não deve ser acusada por corrupção passiva.

Esses crimes começaram a ser investigados depois que o doleiro Alberto Youssef –um dos delatores da Operação Lava Jato– declarou no ano passado em depoimento ter intermediado o levantamento de R$ 15 milhões para a empresa Prysmian. Somente após isso os executivos da empresa foram prestar depoimento.

O dinheiro teria sido usado para pagar propina a profissionais do fisco paulista.

Após a denúncia, a Promotoria deu início a uma nova ação, agora para investigar enriquecimento ilícito. Por isso, pediu à Justiça o bloqueio dos imóveis dos suspeitos.

Vera Regina Lellis Vieira, por exemplo, é fiscal há quase 30 anos. Acumulou nos últimos 18 anos empresas do ramo hoteleiro, flats e propriedades no Morumbi.

Segundo o Ministério Público, Eduardo Komaki, agora com bens bloqueados, comprou em 2013 um apartamento em condomínio de luxo de frente à praia de Icaraí.

Já Ananias José do Nascimento consta como proprietário de fazendas. Uma delas de mais de 150 hectares, na cidade de Ribas do Rio Pardo, em Mato Grosso do Sul.

Infográfico: Fiscais denunciados

OUTRO LADO

Advogados dos fiscais suspeitos afirmam que os patrimônios de seus clientes são compatíveis com suas rendas e negam ter cobrado propina.

Advogado de Ananias José do Nascimento, Rogério Nemeti afirma que seu cliente confirma só parte dos bens informados pela reportagem.

Esses imóveis são um apartamento, duas casas (incluindo a que mora) e uma fazenda de cerca de 320 hectares em MS, avaliada em R$ 1,5 mi.

Outras fazendas citadas pela reportagem, segundo ele, estão arrendadas.

O defensor afirma ainda que o cliente não pode se manifestar sobre as acusações porque o processo é sigiloso.

Defensores de Dionizio Teixeira usaram o mesmo argumento de sigilo e não se manifestaram. Segundo advogados de Ulisses dos Santos, as acusações se baseiam em informações dadas por delatores sobre os quais "recaem gravíssimas suspeitas".

A advogada de Vera Ribeiro afirmou que os bens dela são fruto de atividade lícita.

"Vera Regina é fiscal há quase 30 anos, sem qualquer apontamento em sua ficha funcional", afirmou a advogada Ana Lúcia Gonçalves.

Segundo ela, o patrimônio foi construído em período anterior ao das acusações feitas pelos promotores.

Reproducção/GoogleStreetView
Condomínio onde Eduardo Takeo Komaki tem imóvel, de acordo com o Ministério Público
Condomínio onde Eduardo Takeo Komaki tem imóvel, de acordo com o Ministério Público

Segundo a defesa de Eduardo Takeo Komaki, o agente nunca ocultou bens e tem como comprovar a origem deles. "Essas acusações são feitas apenas com base em depoimentos de testemunhas sem isenção", disse a advogada Simone Haidamus.

Renato Vieira, um dos advogados de Osvaldo Quintino, diz que os bens de seu cliente são lícitos e que não pesa nenhuma suspeita.

Ricardo Filizzola, que defende Emílio Bruno, afirmou que não se posicionaria sobre o patrimônio e que tenta conseguir acesso a provas citadas pelos promotores.

Advogado de Marcelo dos Santos, Pedro Andrade disse que o cliente é inocente e nega que ele fosse coordenador dos demais fiscais, como dizem os promotores.

A reportagem não localizou os defensores de Malvino Rodrigues e de Newton Cley Jehle de Araújo.

O agente fiscal José Roberto Fernandes também nega as acusações.

O advogado dele, Jaime de Almeida Neto, diz que pedirá o desbloqueio dos bens e que seu cliente é servidor há 18 anos e, por isso, tem como mostrar que seus bens foram adquiridos de maneira lícita.


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