Folha de S. Paulo


'Guerra das bromélias' opõe hotel de luxo a prefeitura em Ilhabela (SP)

Que fim terão mais de 500 bromélias em Ilhabela ninguém sabe ainda. A prefeitura quer arrancá-las, mas o hotel DPNY, dono das plantas, resiste firmemente à ideia.

Uma queda de braço entre a administração municipal e o maior empregador da ilha, com cerca de 180 funcionários, persiste desde dezembro do ano passado, quando uma notificação foi entregue ao luxuoso hotel do litoral norte de São Paulo.

O documento pedia a retirada, em dois dias, de todas as bromélias –"de modo a eliminar criadouros do mosquito transmissor da dengue com risco iminente à saúde pública". O descumprimento da ordem acarretaria "penalidades previstas em lei".

O DPNY se pronunciou em cartas abertas ao prefeito Antônio Colucci (PPS), pedindo que a exigência seja reconsiderada. "Destruir nossas bromélias não acabará com a dengue!", afirma uma delas.

O hotel alega que a vegetação, que é "parte de sua essência", recebe cuidados diários. E diz que casos da doença nunca foram registrados ali e que não há provas de focos do mosquito no local.

'TANQUE'

Toda a polêmica está no fato de as bromélias terem um "tanque" que acumula água. Mas o que cai ali, segundo Carlos Moreira, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Bromélias, torna-se comida.

"A bromélia produz uma enzima e faz o processo digestivo de tudo o que cai naquela água. O mosquito sabe que, se botar a larvinha lá, ela está sujeita a ser comida", diz.

Professor do Instituto de Biologia da Unicamp e pesquisador da dengue, Carlos Fernando de Andrade discorda: o Aedes aegypti pode sim se desenvolver nas bromélias.

"Em biologia, nada é definitivo. Não dá pra dizer, por decreto, que se produz uma substância e que a larva não sobrevive." Para ele, na impossibilidade de acessar criadouros preferenciais, o mosquito procura alternativas.

"Se as equipes estão achando Aedes aegypti, a prefeitura tem que exigir que os donos das bromélias façam alguma coisa", afirma o pesquisador.

LARVAS

Em Itapema (SC), a prefeitura levou um ano para convencer hotéis a remover bromélias após achar larvas do mosquito nas plantas. "Não foi tarefa fácil. O mosquito prefere pneus, mas precisa perpetuar a espécie", diz Richelle Santos, enfermeira da Vigilância Epidemiológica.

Bromélias também foram retiradas de praças e parques de Jundiaí (SP), onde apenas as espécies raras do Jardim Botânico foram poupadas.

Mas lá a solução foi menos drástica. "Doamos as plantas para a população, para que, individualmente, pudessem ser cuidadas", conta Antônio Carlos de Souza, diretor da divisão de parques e praças.

OUTROS CRIADOUROS

Biólogo do Jardim Botânico do Rio, Bruno Rezende Silva defende que as prefeituras deixem as bromélias "em paz" e combatam criadouros em piscinas, lajes e pneus.

"Ao se constatar que existe a larva do Aedes aegypti, o que acho muito difícil, o máximo que deveria acontecer é a aplicação de um inseticida natural. Um jardineiro com uma bombinha resolve isso."

Ele cita um estudo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) que monitorou, durante um ano, 120 bromélias do Jardim Botânico carioca. Das 2.816 larvas coletadas, só duas eram de Aedes aegypti.

Ainda não se sabe se as bromélias do DPNY têm parcela de culpa nos 1.944 casos de dengue registrados neste ano (até setembro) em Ilhabela, segundo o Centro de Vigilância Epidemiológica.

O resultado dos exames que poderiam tirar a dúvida ainda não foi divulgado, segundo a Prefeitura de Ilhabela, que afirma que está analisando o pedido do hotel.


Endereço da página:

Links no texto: