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Com rodízio rígido, morador de Guarulhos fica 48 h sem uma gota de água

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Benedito Antonio Matias, 45, dono de lava-rápido que construiu caixa-d'água para amenizar rodízio
Benedito Antonio Matias, 45, dono de lava-rápido que construiu caixa-d'água para amenizar rodízio

Quarta não teve, quinta também não. Nenhuma gota subiu ao morro de Las Vegas. Nesse bairro de Guarulhos (Grande SP), as caixas-d'água estão tão secas quanto o deserto da cidade americana.

Nesta sexta, ela voltou. Lava roupa, lava louça, lava carro. Mas aí, sábado e domingo, ela some de novo. Mais dois dias sem água. Agora é assim no morro de Las Vegas e outros 17 bairros de Guarulhos .

Há 12 dias, o Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), autarquia responsável pelo serviço de abastecimento de água da cidade, implantou um rodízio no esquema de dois dias sem e outro com –55 mil foram afetados.

Segundo município mais populoso do Estado, Guarulhos historicamente consome mais água do que é capaz de produzir. Parte do volume usado na cidade é comprado da Sabesp. Outra vem de um reservatório próprio, o Cabuçu –que está com níveis baixos de armazenamento diante da pior crise hídrica da história do Estado de São Paulo.

Os bairros agora em rodízio mais severo recebem água do Cabuçu. O corte na distribuição foi implantado para "evitar um colapso no abastecimento", justifica o Saae.

Parte dos bairros de Guarulhos já passa por rodízio de água há pelo menos seis anos. Ele é menos drástico, porém –de "só" um por um (já na capital, o racionamento deixa milhares sem água por até 20 horas por dia).

"Duas semanas atrás passou um carro de som avisando que seriam dois dias sem água. Aí azedou de novo", conta a cozinheira Nazaré de Freitas, 61, dona de um bar.

Nazaré pensou em comprar outra caixa-d'água para amenizar a secura, cozinhar e lavar as louças do bar. "Muito cara", reclama, com uma panela na mão. Comprou dois baldes de 100 litros cada.

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Nazaré de Freitas, 61, que comprou dois baldes para lavar as louças do bar
Nazaré de Freitas, 61, que comprou dois baldes para lavar as louças do bar em Guarulhos (Grande SP)

CAIXA GIGANTE

Benedito Matias, 45, dono de um lava-rápido, não economizou... o bolso. A água, sim. Comprou uma caixa nova e construiu outra, de alvenaria, com 4.000 litros. Nela, guarda o que vem da chuva e lava os carros que chegam.

O rodízio novo acabou com seu concorrente no morro de Las Vegas, que fechou as portas por falta de água. "Ou eles lavavam os carros ou a louça. Preferiram fechar", diz, mas não comemora a desgraça.

"Se eu sou pessimista? Sou otimista, acho que vai é faltar mais água", brinca o aposentado Júlio César de Oliveira, 54, morador do Continental 2, outro bairro afetado pelo rodízio.

Ele passou o último feriado prolongado sem uma gota. Teve que pedir ao vizinho, o vigilante Jeferson Machado, 43, que tem duas caixas de 1.000 litros. Os dois, em cima das lajes, jogaram água de uma casa para outra.

Nem santo ajuda a água a subir ao bairro deles, no topo de um morro. "Quando chega, chega fraquinha", diz Jeferson, que também tem o quintal tomado por baldes.

"E no dia do sim, dá 6h da tarde e ela some de novo", reclama o vigilante.

O Saae afirma que o sistema de abastecimento "é variável", como resultado do consumo diário, e pede que a população "continue a colaborar economizando água".

Quando soube da nova situação, a aposentada Carlita dos Santos, 62, passou no posto de saúde e pegou um vidrinho de cloro para colocar na água que armazena.

"Deixo a água limpinha para jogar nas plantas", diz, apontando para o quintal.

E para o resto da casa, como faz sem água, dona Carlita? "Uma hora ela aparece, meu irmão. Aí deixo rolar igual escada rolante", fala.

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Carlita dos Santos, 62, que armazena água para regar as plantas
Carlita dos Santos, 62, que armazena água para regar as plantas de casa em Guarulhos (Grande SP)

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