Folha de S. Paulo


Brasil ainda nem começou a lidar com a crise hídrica, diz ambientalista

O fundador da ONG Conservação Internacional, Peter Seligmann, esteve no Brasil para lançar a campanha "A natureza está falando" e anunciar R$ 70 milhões em investimentos no país.

Entre esses investimentos estão dois projetos de reflorestamento de mananciais, no Rio e em Salvador.

O objetivo é tentar recuperar a "produtividade" das fontes de abastecimento de água, estratégia tida por Seligmann como essencial para reverter a situação de estresse hídrico que assola hoje diversas regiões do planeta. "Precisamos proteger as fontes de água", diz.

Confira trechos da entrevista à Folha.

Ricardo Borges - 14.ago.2015/Folhapress
Peter Seligmann, fundador da ONG Conservação Internacional
Peter Seligmann, fundador da ONG Conservação Internacional

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Folha - Escassez de água é hoje um problema global. Que tipo de tecnologia ou de soluções poderia ser usado no Brasil?
Peter Seligmann - Há dois lados. Um deles é a ineficiência no uso, o desperdício.
Na Califórnia, por exemplo, um dos grandes problemas é que o sistema tem muitos canais abertos, então há um grande percentual de evaporação.
Parte desse desafio é melhorar a eficiência e proteger esses fluxos.
Mas o outro aspecto é a proteção das fontes. Não falo apenas das florestas, mas precisamos proteger também os reservatórios.

O sr. acha que estão lidando com o problema de forma apropriada na Califórnia?
De jeito nenhum. A Califórnia vive uma grande confusão política. São os fazendeiros contra as cidades contra os ambientalistas.
E isso vem levando a diferentes níveis de disputa judicial. A Califórnia não está nem perto de resolver esse problema.

E no Brasil, como estamos lidando com a situação?
Não vejo o Brasil lidando com a situação ainda.
Veja bem, vocês têm São Paulo e Rio brigando por água, é como na Califórnia.
A solução é difícil, significa entender que nossa demanda excede a oferta.
E temos que fazer isso, senão ficaremos sem água, o que já está acontecendo em muitas partes do mundo.
A boa notícia é que ainda há oportunidade para resolver o problema, investindo em reflorestamento, em proteção dos reservatórios. São ações muito importantes.
Do ponto de vista financeiro, o que se pode fazer é cobrar dos beneficiários o uso da água.

As ações anunciadas têm relação com obras para buscar outras fontes. Chegou-se a falar em dessalinização...
Isso não resolve nosso problema. Vai talvez resolver o problema de termos água suficiente para beber. E talvez resolva o problema de termos água suficiente para produzir alimentos. Mas não resolve o problema de manter a produtividade dos rios e aquíferos.

Há algum exemplo de ação positiva?
Nova York está fazendo um trabalho brilhante.
Décadas atrás, decidiram investir e proteger as florestas das montanhas Catskills.
Houve, na época, muitas discussões sobre implantar novas usinas de purificação de água, mas agora sabemos que eles economizaram bilhões ao priorizar a proteção das fontes.

Conhece algum exemplo no Brasil?
Provavelmente alguma pequena comunidade, alguma cidade tenha percebido isso.
Não é difícil de perceber, é bem óbvio. Mas a dificuldade surge quando isso se torna um problema político.
É preciso uma liderança forte no nível político para dizer: precisamos mudar nosso comportamento.


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