Folha de S. Paulo


Premiado por gestão hídrica, Alckmin atrasa entrega de caixas-d'água em SP

Premiado pelo Congresso por sua gestão na crise hídrica, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem atrasado a entrega de caixas-d'água às vítimas do racionamento.

Das 25 mil unidades que deveriam ter sido entregues até junho, só 15 mil chegaram às famílias de baixa renda.

Essa meta tem sido descumprida seguidas vezes. A nova promessa, agora, é completar as entregas somente em março do ano que vem.

Os equipamentos são essenciais para as milhares de famílias pobres que ficam de 13 a 20 horas por dia com as torneiras secas, estratégia para economizar água que já dura um ano e meio.

"É claro que faz diferença, sem isso, a gente fica sem água quase o dia inteiro", diz o gari José Carlos Marciano, 56, morador de comunidade pobre da zona norte de São Paulo que leva o nome de Vila Esperança da Caixa-d'Água.

Animado, em abril ele se cadastrou na associação de moradores para receber seu reservatório. Chegou a montar uma pequena laje de concreto e ferragens para recebê-lo.

"Disseram que se as casas que não tivessem estrutura, não receberiam. Então me preparei, mas, até agora, nada."

A principal justificativa para a demora é a concentração das entregas nos finais de semana. Nos dias úteis, segundo a Sabesp (estatal de água), as famílias não são encontradas em suas residências.

Vizinho de Marciano, o bancário Emerson de Souza, 24, chegou a construir uma pequena torre de ferro no meio da viela em que mora.

Em cima da torre, colocou uma chapa de ferro que serve como plataforma para a caixa-d'água que ainda não veio. Ele diz ter gasto R$ 1.500 para montar a estrutura.

Outra que não tem caixa-d'água é Edinalva Pinho, 51, moradora da Vila Palmeiras, na zona norte. Ela mostra o braço com queimaduras recentes, segundo ela, marcas de um acidente sofrido enquanto esquentava a água para o banho de caneca da neta.

Em outro extremo de São Paulo, no bairro de Itaquera, na zona leste, o pedreiro José Damião Teodósio, 50, ironiza o prêmio que o governador irá receber no mês que vem de uma comissão da Câmara.

"Quem merece prêmio somos nós que ficamos o dia inteiro sem água (...) Ele ganha prêmio, e a gente ganha o quê? Aumento [na conta de água]". Ele relata ficar sem água todos dias das 17h às 5h.

"A gente não tem água e a conta vem alta, vai entender", afirma.

São Paulo vive hoje a mais grave estiagem em 85 anos. Para controlar o pouco que resta de água nas represas, o governo paulista desde o ano passado tem racionado a entrega de água na Grande SP.

Quem mais sofre com a restrição são moradores de bairros altos e periféricos. Com a estratégia de reduzir a pressão nos canos para evitar desperdício, a água chega com dificuldade e em pouco volume nessas localidades.

Infográfico: Reservatórios da Grande SP

RACIONAMENTO É 'NORMAL'

A reportagem da Folha aborda um morador da zona norte: "Falta água na sua casa?". O morador responde: "Não". O repórter insiste: "Em nenhuma hora?". O morador então responde: "Todo dia eles [Sabesp] cortam a água. Mas isso já é normal, né? O problema é quando não vem água hora nenhuma".

A experiência se repete em diferentes endereços na zona leste, uma vez que milhares de paulistanos já se acostumaram com o racionamento (entrega controlada de água), que dura mais de um ano e meio.

Em todos os casos, porém, o sofrimento poderia ser amenizado por uma caixa-d'água.

Em Itaquera, Angela de Oliveira, 36, é uma das que receberam o recipiente da Sabesp, mas ainda não conseguiram instalá-lo em sua casa, sem laje e com telhas de amianto.

"Eu estava desempregada e só consegui dinheiro agora, depois de meses (...). Estou me virando com os baldes." Ela afirma que gastará R$ 200 para instalar a caixa.

Na zona norte, e também sem caixa-d'água, o ajudante geral Ricardo Alves de Brito acorda cedo para garantir a água da família.

Pela manhã, ele enche os baldes e bacias que ficam espalhados pela casa.

O ritual é repetido na casa ao lado, onde mora o gari José Carlos Marciano, 56. "Se não for por essa água, eu não tenho descarga, não cozinho, não lavo a louça e não tomo banho", conta.

Para Dalva Gomes, 29, o banho também é a parte mais crítica do racionamento diário de água na cidade.

"Meus dois filhos têm bronquite e, sempre que eu vou ao posto de saúde, o médico briga comigo. Diz que eu não posso dar banho de canequinha. Mas o que eu vou fazer se o horário em que tem água no chuveiro eles estão na escola?", questiona Dalva.

OUTRO LADO

A Sabesp disse, em nota, que o atraso na entrega das caixas-d'água na Grande São Paulo ocorreu devido à "complexidade das regiões e disponibilidade do cliente para o recebimento do equipamento".

Segundo a empresa, por isso o cronograma de entrega dos recipientes será estendido até março de 2016.

A resposta dada agora pela empresa paulista de saneamento, no entanto, é a mesma de abril, quando a Sabesp percebeu que não seria capaz de entregar as 25 mil caixas-d'água na Grande SP até junho, data da primeira meta proposta pela própria empresa.

A Sabesp havia declarado que tinha tido dificuldade para entregar os reservatórios já que, em muitos casos, as famílias beneficiadas não estavam em casa durante a abordagem da empresa.

A Sabesp então reprogramou seu cronograma para que as entregas fossem feitas durante os finais de semana. Assim, a empresa esperava entregar as 25 mil caixas-d'água até agosto.

Mas nem mesmo o novo cronograma foi capaz de sanar a demora no procedimento, já que neste mês a Sabesp ainda tem 10 mil reservatórios aguardando entrega.

Após três dias de questionamento sobre a demora, a Sabesp não soube responder, por exemplo, se havia realizado entregas de caixa-d'água no último final de semana.

O programa foi anunciado em dezembro de 2014 pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB).


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