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Debate sobre SP não é feito da maneira 'mais democrática', afirma Haddad

Zanone Fraissat/Folhapress
O prefeito Fernando Haddad (PT) em entrevista no seu gabinete, na região central de São Paulo
O prefeito Fernando Haddad (PT) em entrevista no seu gabinete, na região central de São Paulo

Para o prefeito Fernando Haddad (PT), São Paulo precisa de um tempo para "assimilar" medidas como o avanço das ciclovias e a redução da velocidade máxima nas marginais Tietê e Pinheiros.

Em entrevista à Folha nesta segunda-feira (3), em seu gabinete no centro da cidade, o prefeito disse que o debate em torno desses temas não tem ocorrido da "maneira mais democrática". Ele não citou nomes, mas disse que há emissoras de rádio e TV focadas apenas em "atacar a administração" municipal.

Haddad também descartou, por ora, regulamentar o aplicativo de transporte particular Uber, alvo de protesto de taxistas. A seguir, trechos de sua entrevista.

*

Folha - A implantação das ciclovias e a redução da velocidade nas marginais foram medidas tomadas sem ampla discussão. Por quê?
Fernando Haddad - As discussões são feitas até muito mais do que no passado. Temos um conselho de trânsito e transporte, a cidade discute com a academia, com especialistas, aqui é mais discutido do que em outros lugares do mundo.
A maioria das propostas estava em meu plano de governo e foi discutida nas eleições. É curioso você ser cobrado por estar cumprindo uma agenda com a qual você se comprometeu. Está havendo uma inversão da democracia. Você se compromete com faixas exclusivas de ônibus, com ciclovias, com "traffic calming" [moderação de tráfego], se compromete com um documento anterior à eleição, defende isso no horário eleitoral, e depois dizem que não houve discussão com a sociedade. Nenhuma dessas medidas deixou de ser extensamente debatida.

Mas a redução na marginal, por exemplo, não foi debatida.
Mas tem leis federais que já foram discutidas no Congresso. O plano nacional de mobilidade é de 2002, é uma lei federal que tem que ser cumprida. Ela estabelece a hierarquia da ocupação do espaço público, coloca em primeiro lugar o pedestre e o ciclista, depois o transporte público, depois o de cargas e depois o individual motorizado.

O sr. já andou a 50 km/h na marginal?
Já e achei normal. A 70 km/h na faixa expressa e 50 km/h na [pista] local.

Por que então toda essa reação contra a medida?
Porque estamos vivendo um momento em que o debate não se estabelece da maneira mais democrática. Há da parte de alguns veículos de comunicação, sobretudo uma parte da radiodifusão, o pressuposto que é o combate às ações da administração, é uma ação quase que editorial. Você tem duas ou três rádios e duas ou três emissoras de TV que têm o pressuposto de atacar a administração.

Mas a OAB também entrou com uma ação [contra a redução nas marginais]. O Ministério Público também.
O Ministério Público está pedindo informações (...) E outra, temos que valorizar a CET, temos a maior engenharia de tráfego do Brasil e talvez da América Latina, não é uma empresazinha (...) A OAB falou que a gente iria criar o caos e arrastões [com a volta às aulas]. Poxa, o jornalismo tem que fazer o contraponto. Melhorou. Não estou vendo nem caos nem arrastão.

Por que a CET não vinha funcionando antes então?
Porque não davam liberdade à CET. A maioria dos projetos da CET foi engavetada. Todas as discussões sobre faixas exclusivas de ônibus foram engavetadas.

Não é muito simples dizer que a crítica a esse modelo é resumida a três rádios da cidade?
Em que cidade do Brasil você tem uma frente contrária a ações da prefeitura como você tem aqui? Você não tem em nenhuma outra cidade. É uma frente de ataque a todas as medidas da prefeitura independentemente do mérito (...) Não precisávamos ter apanhado um ano contra as faixas exclusivas, um ano contra ciclovias e agora não sei se um ano em relação à redução de velocidade. O que queremos? Sem perder a eficiência, garantir uma tranquilidade maior. A cidade não é uma estrada.

O sr. está intensificando essas medidas para compensar outras que não avançaram?
Tivemos quatro contratempos posteriores à eleição [de 2012] que não estavam no horizonte da cidade nem do país: a economia paulista está em recessão, a derrubada da emenda constitucional de parcelamento dos precatórios, um comprometimento de R$ 1,5 bilhão a mais do que o previsto no orçamento de subsídio à tarifa [após os protestos de 2013] e uma coisa inédita, que foi a suspensão da base de cálculo do IPTU [que impediu o reajuste]. Com tudo isso, são efeitos bilionários, batemos o recorde de investimento em 2014.

A avaliação da Dilma é ruim em SP, e o PT também tem uma rejeição forte. Que peso o sr. atribui a esses dois elementos na sua avaliação e nas críticas que tem recebido?
É muito difícil separar essas coisas (...) A beleza da democracia é que tem um momento, que estão querendo encurtar, em que você apresenta a tua visão. Você olha no olho do eleitor sem interferência e fala para ele a tua verdade. O nosso projeto é de transformação da cidade, então é mais difícil de assimilar. Porque se a transformação fosse fácil, ela já teria sido feita. Talvez, se eu vivesse num país extremamente avançado, não teria tanto ímpeto de mudar as coisas.

O PT diz que o sr. vai pouco para a periferia.
Olha, que PT? Eu não respondo a futrica.

O sr. é favorável à regulamentação do Uber?
Abrimos o procedimento de apuração dos valores devidos. Há uma fiscalização. Pessoalmente provoquei, porque não tem cabimento. A empresa não tem nem alvará de funcionamento. Não recolhe imposto. E temos uma realidade social que precisa ser considerada, que temos 30 mil taxistas na cidade.

É o suficiente?
É uma discussão que poderia ser feita de forma civilizada. Você tem o "Green Cab" na periferia de Nova York, que tem uma tarifa menor e permissão para atuar num determinado território. Ou seja, não é livre para a cidade inteira. Isso é um modelo.

Um Uber na periferia seria funcional em São Paulo?
Não tenho a resposta. O que eu sei é que é um assunto que merece um debate mais aprofundado, porque não há estudos em São Paulo. A CET não tem nenhum estudo para esse tipo de impacto. E no mundo também não está consolidado o entendimento sobre isso.

O sr. já decidiu sobre fechar a Paulista aos domingos?
Vai ter uma segunda experiência [dia 23]. A receptividade foi muito superior ao que a gente imaginava. Fomos institucionalmente procurar os principais atores da região. Fomos a muitos. Hospitais, clubes etc. E, até para a minha surpresa, a receptividade tem sido muito melhor do que imaginava. Vamos aguardar uma segunda experiência [antes da decisão].

Na Paulista, há muitos ambulantes. E um aumento de moradores de rua.
Tem havido descumprimento de acordos [com os artistas de rua]. Não somos higienistas. Fazemos as coisas por acordo e, quando ele é descumprido, fazemos cumprir (...) Já tem um grupo constituído para corrigir, sem violência, esse tipo de ação. Não vou usar jato-d'água contra ninguém em São Paulo, até porque não tem água.

Por que o sr. afrouxou a lei de calçadas?
Uma coisa é criar a indústria da multa. Outra é dar o tempo para conseguir a reparação. No caso da calçada, existe a reparação. Quando você comete uma infração de trânsito, o mal está feito. No caso das calçadas, se a pessoa corrigir, a reparação interessa mais para o poder público que a arrecadação. O que fizemos foi dar 60 dias para a pessoa reparar, para a multa deixar de ser cobrada.

E [o abandono] da campanha da "mãozinha"?
A equipe da CET chegou à conclusão de que ela não foi tão efetiva. O programa CET no Bairro [em que técnicos passam um período em cada área] é mais eficaz.


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