Folha de S. Paulo


Debate sobre fechamento da avenida Paulista vira sessão de terapia

"O senhor mora na Paulista? Se não mora, então não pode opinar", diz contrariada uma senhora elegante sentada na plateia do auditório da livraria Martins Fontes, na mais famosa avenida de São Paulo.

O que a tirou do sério foi o diagnóstico que João Cucci Neto, engenheiro de tráfego e professor do Mackenzie, acabou de fazer. Para ele, é possível fechar a avenida Paulista para carros aos domingos sem prejuízos ao trânsito, desde que as vias paralelas, alameda Santos e São Carlos do Pinhal, sejam mantidas livres.

"Tecnicamente, fazendo as contas, por mais antipático que possa soar para alguns, comporta [fechar a avenida]", disse Cucci Neto pouco antes, destacando que o trânsito aos domingos é muito menor.

O professor foi um dos debatedores convidados para discutir na noite de quinta-feira (30) o fechamento da Paulista aos domingos - medida testada pela gestão Haddad (PT) na inauguração da ciclofaixa e que será novamente experimentada no dia 23.

Cerca de 50 pessoas, entre moradores da avenida, especialistas e interessados no futuro da via atenderam ao convite aberto do evento promovido pelo Rotary Club de São Paulo Avenida Paulista.

Desse debate deve sair uma carta que a entidade enviará à prefeitura. Prós e contras pesados, o Rotary terá uma opinião formada -que deve se basear em aspectos técnicos.

Opinião formada também parece ter cada um na plateia. A todo instante, interrupções se sucedem. "Querem a Paulista fechada é para ter mais moradores de rua", ouve-se de um lado. "Olha o respeito aí", apressa-se uma mulher também aparentemente contrária ao fechamento.

Na mesa, além do engenheiro de tráfego, estão: o arquiteto Paulo Correa, o coronel da PM Luis Henrique Di Jachinto, o vice-presidente do Sindicato dos Hospitais, Luiz Fernando Ferrari Neto, a presidente da Associação Paulista Viva, Vilma Peramezza, e o ciclista e consultor de mobilidade urbana Daniel Guth.

O tom entre eles é de moderação. Para Vilma Peramezza, é preciso diálogo. Ela sugere que se faça o mesmo em outras vias, criando "várias Paulistas aos domingos". "Isso mesmo!", concorda em voz alta outra moradora.

Entre os hospitais da região, a maioria não tem objeções ao fechamento. O representante do setor reproduz a opinião, dizendo que "não tem como ser contra o lazer".

Mapa das ciclovias de São Paulo

Essa lazer, no entanto, diz ele, tem que ser bem estudado "até porque" o ir e vir sem estresse também deve ser pensado como parte da saúde dos moradores locais.

Se a ideia é manter o consenso, a fala do cicloativista promete quebrar o frágil equilíbrio na sala. E ele começa dizendo ser favorável não ao "fechamento" da Paulista, mas à "abertura", numa referência à circulação de pessoas.

"Discordo", rebate imediatamente um senhor.

A maior parte dos moradores interessados no debate são idosos -e estão cheios de dúvidas. Entre elas: Como chegar e sair de táxi? E se alguém passar mal e tiver que ser colocado em um carro? Como sair da garagem?

Favoráveis ao fechamento também falam. Ninguém se entende. Até que o equilíbrio, ainda que frágil, reaparece.

E se os dois lados se ouvissem e ponderassem as opiniões contrárias?, pondera um rapaz. "Isso! Aí sim", diz uma moradora da Paulista. No fim, todos querem mesmo é ser ouvidos.

Fabio Braga, Thiago Almeida e Douglas Lambert/Editoria de Arte/Folhapress


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