Folha de S. Paulo


Puxadão: Favela cresce dentro de área do Cingapura; terreno foi divido por 23 famílias

Era favela. Virou prédio. Vinte anos depois, está voltando às origens e tornando a ser favela mais uma vez.

Dezenas de construções de alvenaria com até três andares surgiram dentro do Cingapura Barão de Antonina, inaugurado no ano de 1995 como um dos primeiros empreendimentos do modelo de habitação criado na gestão Paulo Maluf (1993-1996).

Segundo os moradores, as novas construções começaram a ser feitas há cerca de um ano, depois que as áreas comuns do conjunto popular foram ilegalmente "loteadas".

Os terrenos foram demarcados e divididos entre 23 famílias, das quais sete já se mudaram para casas com vista para a marginal Pinheiros. Parte dos moradores das novas casas vivia em barracos na favela do outro lado da rua e é da família ou amigo de pessoas que já moravam no conjunto.

Os moradores falaram com a reportagem, mas não quiseram revelar seus nomes. "A família cresceu, aí não tinha lugar pra todo mundo", diz um deles. As unidades do Cingapura têm dois quartos.

Outros dos novos moradores revelam ter comprado o "terreno", do tamanho de um cômodo, por até R$ 7.000.

Localização da favela

"Até rolou venda, mas foi pouco. Só teve mesmo quando o dono original não conseguiu levantar a grana pra subir a casa. Aí liberamos", diz um homem de 25 anos que atua como líder comunitário na região e organiza as famílias nos puxadinhos.

Ele calcula que o custo para construir, considerando material e mão de obra, fica entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. Nem todos os moradores do Cingapura estão contentes com os novos vizinhos. Eles já tentaram fazer um abaixo-assinado e procuraram advogados para tentar impedir as construções.

Contam que já conseguiram visitas da polícia e da Defesa Civil, mas também não adiantou. Pedreiros que foram ao local com ordens para derrubar as construções foram impedidos por líderes da região –e "quase saiu pancadaria", relatam.

"Chegaram pra derrubar aí, com marreta e tudo, mas não deixamos. Tem espaço pra todo mundo, por que vão mexer com o sonho dos outros?", afirma o líder.

REGULARIZAÇÃO

Esse mesmo Cingapura já havia sido alvo de ação da prefeitura, em 2005, pelo "Programa 3 Rs": recuperação do crédito, revitalização do empreendimento e regularização fundiária. O objetivo era, justamente, combater o surgimento de favelas nos conjuntos habitacionais da cidade.

Os novos moradores contam querer regularizar a situação –dizem que estão dispostos a pagar contas de água e luz ou algum tipo de taxa.

"A situação aqui é bem melhor do que na favela aí do lado. Lá já pegou fogo duas vezes, tem esgoto a céu aberto, é muito precário. E quem recebe auxílio aluguel da prefeitura não consegue morar em outro lugar", afirma um dos invasores.

A favela cresce na base do improviso, com fios elétricos expostos e vielas entre os barracos feitas com madeira e entulho jogado sobre córregos. "Quando chove, o esgoto sobe e nem os ratos aguentam", diz uma moradora.

Sua casa fica escorada no muro de um canteiro de obras parado. No local há o esqueleto de três torres, que desde 2013 deveriam formar um novo conjunto para abrigar 274 famílias que moravam em áreas de risco da região.

A construtora Schahin, responsável pela obra de R$ 104 milhões, foi envolvida na Operação Lava Jato e está em recuperação judicial. "O carro da Guarda Civil fica lá dentro, mas logo mais o povo vai invadir aí também."

OUTRO LADO

A gestão Fernando Haddad (PT) diz que vai realocar os novos moradores do Cingapura Barão de Antonina. "A Secretaria de Habitação realizou vistoria no local em abril, informou às famílias que a ocupação é irregular e orientou quanto ao procedimento correto para o cadastro habitacional", afirma.

A administração informou ainda que a Subprefeitura da Lapa abriu processo para "ação de desfazimento".

Sobre o conjunto parado, diz que a empresa que ficou em segundo lugar na licitação já foi acionada e agora termina uma análise de custos para retomar a construção. A nova previsão de entrega dos prédios é 2016.


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