Folha de S. Paulo


Alexandre Lauxen, 38

'Vimos tudo indo embora', diz agricultor que se refugiou em árvore

Sirli Freitas/Agência RBS/Folhapress
O agricultor Clairton Lauxen abraça o filho Bruno, 13; família se refugiou em árvores para sobreviver a enchente
O agricultor Clairton Lauxen abraça o filho Bruno, 13; família se refugiou em árvores

Para se salvarem do temporal que atingia Saudades (SC), o agricultor Alexandre Lauxen, 38, e sua família tiveram que subir em árvores até serem resgatados por um helicóptero da Polícia Civil.

Choveu tanto na cidade de 9.000 habitantes que, nesta terça (14), Lauxen viu a casa do irmão ser levada pela enxurrada. As chuvas que atingem SC desde segunda deixaram dois mortos e oito feridos e afetaram 47 cidades.

Assista

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Começou a chover muito e lembramos que, alguns anos atrás, a casa de um dos meus irmãos foi invadida pela água, destruindo tudo. Com medo, passamos a recolher tudo, a erguer os móveis.

Eram umas 6 horas da manhã de terça. Estávamos eu, meu irmão Vanderlei e a mulher dele, Janice, ajudando meu outro irmão Clairton e o filho Bruno, de 13 anos.

Somos todos agricultores e tínhamos uma área de camping em Saudades (SC). Todos nós morávamos perto e cuidávamos dessa área.

Uma hora e pouco depois que começamos a recolher tudo, a água começou a subir muito e já não tínhamos mais como sair do camping.

A água vinha com força, e temíamos ser arrastados. Por isso, decidimos nos amarrar, com cordas, em umas árvores, esperando que a situação se acalmasse. Mas a água só subia e, quando percebemos, já estava quase na altura de nossas cabeças.

Com a água vinham muitos galhos, troncos e sujeira. Não tinha mais nem como passar de barco porque era muito perigoso. Aí decidimos subir no topo das árvores.

Meu irmão Vanderlei e a mulher subiram em uma, e eu ajudei meu sobrinho Bruno a subir, depois subi e puxei meu irmão Clairton em outra árvore a uns 15, 20 metros de distância.

Não sei se foi a coisa certa ou não, mas achamos o melhor naquela hora.

Acho que ficamos uma hora amarrados na árvore, aí a água começou a subir e depois ficamos mais de uma hora em cima da árvore e fomos resgatados umas 11h e pouco da manhã. A gente não tinha relógio, então perdi um pouco a noção de tempo.

Quando estávamos ali em cima da árvore, foi indescritível. A casa do meu irmão Clairton foi levada inteira, com tudo dentro. Os campos de futebol, a área do camping... Vimos tudo indo embora na nossa frente.

É uma sensação de você não ser nada, você não ter poder nenhum. Você está sendo dominado pela água.

Sirli Freitas/Agência RBS/Folhapress
O agricultor Alexandre Lauxen (segundo da esq. para a dir.) e seus familiares; eles se amarraram a árvores para se proteger das chuvas em SC
O agricultor Alexandre Lauxen (segundo da esq. para a dir.) e seus familiares

Qualquer árvore que viesse podia nos derrubar e acabar tudo ali. Cada árvore que vinha, era um desespero. Era uma angústia, parecia que ia ser o fim. A gente conversava, principalmente para acalmar meu sobrinho de 13 anos. Ele ficou firme todo o tempo, desabou só quando entrou no helicóptero.

A gente ficava prevendo tudo que podia acontecer e falando que, se a gente caísse na água, era para fazer o máximo para sobreviver. Para mantermos a cabeça fora da água, nadar. Mas todas as árvores que vinham com a correnteza desviavam da nossa e da outra árvore onde estavam meu irmão e minha cunhada. Parecia Deus.

Depois fiquei sabendo que um vizinho viu aquilo, avisou outro, que avisou outro. Até que um deles, o Henrique Schuh, conseguiu ir para a cidade e falar com o Corpo de Bombeiros e, depois, com a Polícia Civil.

Aí os anjos vieram nos salvar. Eles chegaram na cidade, encontraram o Corpo de Bombeiros, que ligou a sirene e o giroflex, e o helicóptero foi seguindo o carro. Aí os vizinhos queimaram lençóis, fizeram fumaça para eles nos encontrarem.

Foi muito arriscado, o helicóptero da Polícia Civil precisou ficar muito perto da água para nos resgatar e, mesmo com tudo que descia com a correnteza, eles ficaram ali e nos salvaram. Só temos que agradecê-los.

Nesta quarta-feira (15), faz 21 anos que viemos do Mato Grosso para cá, para recomeçar nossas vidas. Agora, teremos de recomeçar de novo.


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