Folha de S. Paulo


Análise maioridade penal:

Opinião pública muda quando há debate

Virou mantra o resultado da pesquisa Datafolha que aponta 87% dos brasileiros favoráveis à diminuição da maioridade penal como argumento na defesa da tese.

Eduardo Cunha o citou em rede social como justificativa para a manobra que aprovou o projeto na Câmara em primeiro turno. Até quem tem por hábito criticar o Datafolha brada o dado como justificativa para defender a ideia.

Mesmo por oportunismo, agem bem em valorizar a opinião pública, muitas vezes desprezada.

Em junho de 2013, quando 73% mostravam-se favoráveis à criação de uma Constituinte para discutir a reforma política, houve silêncio unânime no Congresso.

A opinião pública é a base sobre a qual se fundamenta e constrói o debate numa sociedade democrática. Por isso mesmo não é estática, mas dinâmica, com mudanças importantes ao longo do tempo, resultado da influência de aspectos dos diferentes ambientes –políticos, econômicos, sociais e demográficos.

Dependendo do grau de exposição, alguns temas podem levar anos para serem assimilados pela maioria, como também em outros casos, episódios específicos de forte apelo popular tendem a provocar mudanças bruscas. A recente legalização nacional do casamento gay nos Estados Unidos encontrou um cenário propício para sua concretização na mudança de opinião dos americanos sobre o assunto ao longo dos últimos vinte anos.

Editoria de Arte/Folhapress

No Brasil, há exemplos de variações mais rápidas. O processo eleitoral do ano passado foi uma montanha russa, acentuada pela ascensão e queda de Marina Silva no primeiro turno, com cada lance sendo analisado e monitorado de perto pelos veículos de comunicação, candidatos e eleitores.

O mesmo aconteceu no referendo sobre o desarmamento em 2005. Em julho daquele ano, a maioria (80%) era contra o comércio de armas de fogo, opinião que se inverteu por causa das campanhas na TV –o direito foi chancelado no referendo de outubro, com 64% dos votos a favor.

O que os dois fenômenos têm em comum? Debate intenso na grande mídia e participação democrática. Nada garante que a opinião dos brasileiros sobre a diminuição da maioridade penal permaneceria estável diante, por exemplo, dos apontamentos de Drauzio Varella em horário nobre, numa eventual campanha nacional contrapondo-se aos argumentos dos que defendem a redução.

O vídeo protagonizado pelo autor de "Estação Carandiru" e "Carcereiros" já existe em sua página na internet e circula pelas redes sociais. Foi visto por cerca de quatro milhões de pessoas, o que parece muito, mas equivale a apenas 3% da população adulta do país.

Editoria de Arte/Folhapress

Discutir amplamente causas e consequências do projeto é fundamental. A falta de dados confiáveis sobre a participação de adolescentes em ofensas criminais limita o julgamento da população que está exposta diariamente, no final da tarde, pela TV, a casos trágicos de maior repercussão. O medo da violência e a desconfiança em relação às instituições que deveriam combatê-la potencializam o apoio a qualquer proposta que indique um sinal de justiça.

Enquanto isso, assuntos correlatos e que despertam igual interesse público, não conseguem a mesma mobilização dos políticos. Em 2013, uma pesquisa nacional do Datafolha, realizada para a Fundação Itaú Social, mostrou 90% dos brasileiros favoráveis ao conceito de educação em tempo integral nas escolas públicas do país.

Boa parte dos motivos relatados espontaneamente para justificar a opinião referia-se ao combate à violência, ao uso de drogas e à insegurança das crianças. A iniciativa, prevista no Plano Nacional de Educação, tem metas estipuladas até 2024, que deveriam ser acompanhadas com a mesma atenção dedicada à redução da maioridade penal. O Brasil precisa discutir mais antes de decidir onde quer prender seus jovens.


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