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Alckmin reduz programa de leite para criança carente; 37 mil são afetados

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Mães aguardam a chegada do lote de leite em UBS do município de Hortolândia; programa Viva Leite sofreu redução
Mães aguardam a chegada do lote de leite em UBS do município de Hortolândia, no interior de SP

Ataília de Souza, 30, vai duas vezes por semana à igreja perto de sua casa buscar o leite que reforça a alimentação do filho Paulo Henrique, de cinco anos. Quando o garoto completar seis anos, porém, essa rotina vai mudar.

A gestão Geraldo Alckmin (PSDB) mudou o critério de distribuição do projeto Viva Leite, que atende à população mais carente do Estado.

Antes, o programa que garante 15 litros de leite ao mês aos beneficiados atendia crianças de seis meses a seis anos e 11 meses de idade. Mas desde o dia 1º passou a atender apenas as de um ano a cinco anos e 11 meses.

O corte foi anunciado pela Secretaria de Desenvolvimento Social às prefeituras, responsáveis pela distribuição. De um total de 353 mil crianças beneficiadas no programa, 37 mil foram excluídas.

A pasta sofreu um congelamento de 10% da verba neste ano, mas a secretaria estadual nega que o corte de leite tenha relação com a falta de dinheiro. Segundo o secretário Floriano Pesaro, a decisão foi técnica e legal.

Prefeituras ouvidas pela Folha relataram, porém, que o Viva Leite vem registrando desde o começo do ano uma redução da oferta, seja na quantidade fornecida, seja na inclusão de beneficiários.

Ataília mora com o filho e dois primos na Vila Esperança, em Campinas. Aposentada por invalidez, ela ganha um salário mínimo (R$ 788).

"Eu pego o leite porque ele gosta. Não acho justo retirar, porque a gente vai ter que comprar e, às vezes, não tem dinheiro", disse. A entrega na região onde ela vive ocorre duas vezes por semana. São, em média, dois litros a cada entrega. "Dá pra dois dias."

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No bairro Santa Mônica, Fátima Ferreira, 35, lamenta a mudança. Ela conta que recebe o benefício há dez anos e que o leite ajudou na alimentação de seus filhos, agora com 13, 11 e 7 anos de idade.

"Tem muita mãe que precisa desse leite para a alimentação dos filhos em casa. Às vezes a criança não quer comer e o leite acaba sendo o alimento", disse Fátima.

Em Hortolândia, mães ficaram apreensivas com a notícia da redução no Viva Leite. Nesta sexta-feira (3), elas aguardavam a chegada do produto junto com os filhos.

"A gente vem porque precisa. Sem o programa vai ficar muito difícil", disse a auxiliar de limpeza Maria Sobrinho, 29, desempregada e mãe de três filhos de 6, 4 e 2 anos.

DESNUTRIÇÃO

De acordo com a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), o consumo de leite na faixa etária dos seis anos é tão importante quanto nas outras. "[Possivelmente] o governo precisou fazer o corte e optou pela maior faixa etária", afirma o pediatra Tadeu Fernandes, presidente do departamento de pediatria ambulatorial da entidade.

"Mas essas crianças são carentes, a desnutrição está presente, e o leite é uma fonte de vitaminas e, principalmente, de cálcio e proteínas. Ele ajuda no crescimento, na formação óssea e no desenvolvimento cognitivo."

De acordo com o médico, a criança com mais de cinco anos precisa tomar dois copos (de 200 ml cada um) por dia de leite. Para crianças menores de cinco, o ideal são três copos. Já as pequenas, abaixo de dois anos, precisam ingerir quatro copos de leite diariamente.

Para Fernandes, o leite entregue pelo programa é importante para complementar a alimentação fornecida nas creches e escolas.

Juca Varella/Folhapress
Ataília de Souza, 30, mostra o leite que busca para o filho de cinco anos
Ataília de Souza, 30, mostra o leite que busca para o filho de cinco anos, que perderá o benefício

OUTRO LADO

O secretário de Desenvolvimento Social do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Floriano Pesaro, afirmou que a decisão de reduzir a faixa etária dos beneficiários do projeto Viva Leite foi "técnica".

Pesaro disse que ela se fundamenta no PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), pelo qual as crianças de seis anos matriculadas já recebem alimentação suplementar nas escolas.

O secretário afirmou ainda que o corte do leite para bebês de até um ano visa incentivar o aleitamento materno.

Pesaro negou que o contingenciamento da pasta tenha afetado o Viva Leite. Porém, afirmou que, com a exclusão das crianças de seis anos, será possível atender 100% das crianças na faixa de um ano a cinco anos e 11 meses.

Pelos dados do governo, o Viva Leite atende 83% das crianças de um ano a cinco anos e 11 meses. Com a saída das que tem seis anos (27.164), diz que será aberto espaço para outras (cerca de 64 mil).

O secretário disse que será utilizado todo o recurso do programa, de R$ 240 milhões.

A estimativa é atender neste ano 788.659 pessoas (entre crianças e idosos).

"Não se trata de perder. Estamos focalizando o programa e dividindo por esferas de governo [federal, estadual e municipal] quem é responsável por cada faixa etária."

Procurado, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) informou que não iria comentar a decisão da esfera estadual.

O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome afirmou que a decisão do Estado não tem relação com políticas federais.

Colaborou FÁBIO TAKAHASHI


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