Folha de S. Paulo


Símbolo da redução penal, jovem é solto antes do prazo máximo em SP

Eles eram quase vizinhos, mas não se conheciam. O encontro entre eles, que acabou em tragédia e foi visto pela televisão, reacendeu o debate sobre a redução da maioridade penal, sob a condução do governo de São Paulo.

O assassinato de Victor Hugo Deppman, 19, por um adolescente de 17 anos, em 9 de abril de 2013, motivou o governador Geraldo Alckmin (PSDB) a levar ao Congresso um projeto de lei que previa aumentar de três para oito anos o prazo máximo de internação de jovens que cometessem crimes graves.

O projeto foi apresentado uma semana após a morte, trazendo à tona o debate sobre a idade penal, que ficara por um tempo adormecido.

Mas o desfecho daquele caso foi diferente do que preconiza o governo de SP, mesmo considerando as leis atuais.

O jovem João (nome fictício), que cometeu o latrocínio a três dias de completar 18 anos, foi liberado da Fundação Casa mais de um ano antes do prazo máximo permitido pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Esteve internado por um ano e 11 meses –de 9 de maio de 2013 a 29 de abril de 2015.

Victor Moriyama/Folhapress
Amigos de Victor Hugo em passeata, em 2013, para pedir a punição do assassino do colega e cobrar a redução da idade penal
Amigos de Victor Hugo em passeata, em 2013, para cobrar a redução da idade penal

Na sentença que determinou o fim da internação e o arquivamento do processo, o juiz decidiu com base em relatório da Fundação Casa (antiga Febem) que sugeriu à Justiça a soltura de João.

Pelo relatório, feito por profissionais da fundação, subordinada ao governo Alckmin, João reunia as condições sociais e morais para retornar ao convívio comunitário 13 meses antes do prazo máximo possível de internação.

O magistrado ainda considerou que não era preciso pedir uma reavaliação do caso aos técnicos do Judiciário, pois eles não teriam todos os elementos que tinham os servidores da Fundação Casa, que conviviam com o rapaz.

Destaca ainda a sentença que o tempo de internação não deve considerar o passado do jovem nem a gravidade abstrata do crime, apenas a recuperação do indivíduo.

TEMPO DE INTERNAÇÃO

Como a Folha revelou em maio, o governo tucano, diferentemente do que propõe, mantém poucos jovens internados pelo período máximo previsto, de três anos.

Segundo um estudo do Ministério Público, de 88 jovens que cometeram estupro, latrocínio e homicídio qualificado (crimes hediondos) na capital, só 12 ficaram internados por mais de dois anos.

Na ocasião, promotores disseram haver indícios de que a Fundação Casa esteja antecipando a liberação dos jovens devido à falta de vagas. Em recente ofício, a própria instituição afirma estar "enfrentando uma crise sem precedentes" de superlotação.

A decisão de soltar cabe à Justiça, que, na grande maioria das vezes, como no caso de João, baseia-se apenas em relatórios da Fundação Casa.

Procurada para comentar o caso de João, a fundação informou que não iria se manifestar, em respeito ao ECA.

Marlene Bergamo/Folhapress
Marisa Riello Deppman e José Valdir Deppman, pais do estudante Victor Hugo Deppman, que foi morto em 2013 por um jovem de 17 anos
Marisa e José Valdir Deppman, pais do estudante Victor Hugo Deppman, morto por um jovem de 17 anos

JOÃO E VICTOR HUGO

O estudante João e o universitário Victor Hugo viram-se frente a frente na noite de 29 de abril. Victor Hugo estava na porta do prédio onde morava. João vivia em um barraco de madeira numa favela no mesmo bairro, o Belém (zona leste paulistana).

Armado, João exigiu o celular. Victor entregou, mas, mesmo assim, o jovem o matou com um tiro na cabeça.

Evangélica, a mãe de João, que ainda vive no mesmo barraco, na chamada Favela da Febem, entregou o filho à polícia após reconhecê-lo nas imagens divulgadas na TV.

A mãe de Victor Hugo, a advogada Marisa Deppman, 52, tornou-se ativista pela redução da maioridade penal. Esteve em debates, reuniões na Câmara e entrevistas.

Para Marisa, não deveria existir maioridade para crimes graves. "Quem matou não pode ter benefício". A mãe de João não quis falar.

Editoria de Arte/Folhapress

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