Folha de S. Paulo


Chefe de hospital da UFRJ diz faltar materiais para cirurgia e é exonerado

Após o vazamento de um comunicado interno do chefe do setor de cirurgia cardíaca do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, no qual ele afirmava que operações estavam sendo feitas sem materiais essenciais, a direção da instituição decidiu exonerá-lo do cargo nesta quarta-feira (17).

Na carta, datada de 15 de junho –a qual a Folha teve acesso–, o médico Mauro Paes Leme de Sá escreve que estava suspendendo as atividades na cardiologia do hospital por falta "de uma variedade de insumos essenciais à realização de operações com segurança".

Na missiva endereçada à direção geral do hospital, ele afirma, por exemplo, que o estoque de cateter de balão intraaórtico estava com estoque "zerado há meses". O equipamento é como um coração artificial, que bombeia sangue quando o órgão para de funcionar.

O médico lista ao todo sete itens que, segundo cardiologistas consultados pela reportagem, são indispensáveis em um centro cirúrgico do segmento.

O diretor geral do hospital universitário, Eduardo Côrtes, confirmou o conteúdo da carta, mas negou que as cirurgias tenham sido suspensas. Ele reconheceu que "eventualmente, faltam materiais" e disse que já há pedidos de compra dos insumos fora de estoque.

O autor da carta foi exonerado nesta quarta. Procurado, confirmou o envio da correspondência, mas negou que tenha vazado o documento.

OUTRO LADO

Questionado especificamente sobre os itens listados, o diretor do hospital universitário, Eduardo Côrtes, disse não ter condição de dizer quais estariam em falta.

Ele afirmou que as cirurgias cardíacas ocorrem às segundas-feiras e, quando há procedimento que demande materiais em falta, a operação não é feita. No caso de uma emergência, o paciente é transferido. "Eventualmente faltam coisas, mas a atitude do hospital é de reposição constante", disse.

O diretor-geral afirmou ainda que a carta vazada na internet tem elementos falsos. Segundo ele, o conteúdo está correto, mas a assinatura de Sá e o carimbo do autor foram forjados. Ele não forneceu a versão original e disse que abrirá uma sindicância para apurar o ocorrido.

CUSTOS ALTOS

O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho tem atualmente 220 leitos. Inaugurado em 1978 com duas torres de 15 andares e espaço para 2.000 leitos, sofreu com sucateamento. Em 2010, uma parte do segundo prédio foi demolida, o que reduziu pela metade sua capacidade. Cento e sessenta médicos fazem residência no local.

A unidade não tem orçamento próprio e vive de repasses do SUS (Sistema Único de Saúde). Segundo Côrtes, os repasses não cobrem os custos, em torno de R$ 4,4 milhões por mês. Dos R$ 10,5 milhões liberados no ano passado pelo REHUF (Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais), do Ministério da Educação, R$ 7,5 milhões foram contigenciados. "Com a redução de leitos, caiu muito a nossa receita".

Para o cardiologista e ex-diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Carlos Alberto Machado, um hospital que não tem os itens citados na carta não deveria realizar cirurgias cardíacas.

Os itens vão desde medicamentos complexos, como a solução cardioplégica, usada para fazer o coração parar de bater, a materiais básicos, como os campos cirúrgicos, espécie de lençol que isola a área operada do resto do corpo do paciente.


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