Folha de S. Paulo


Japonês agora come bife e batata, diz chef paulistana que mora em Tóquio

Os 120 anos de amizade Brasil-Japão renderam um menu brasileiro dentro da maior loja de departamento japonesa, a Isetan.

Assinada pela chef paulistana Mari Hirata, 55, a seleção servida nas duas primeiras semanas de junho teve pão de queijo, moqueca de robalo, picanha assada, feijão carioquinha e sorvete de açaí, num dos principais endereços comerciais da capital japonesa.

Hirata, que saiu do Brasil há 30 anos para estudar na França e no Japão, mora em Tóquio com o marido e os dois filhos. Ela vem ao país todo ano para dar cursos de culinária japonesa. Sua próxima parada, em outubro, é Belém (PA).

19.ago.2010 - Maria do Carmo/Folhapress
A chef Mari Hirata em visita a escola de cozinha em SP
A chef Mari Hirata em visita a escola de cozinha em São Paulo

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Folha - Quais os cruzamentos entre as culinárias do Brasil e do Japão?
Mari Hirata - O consumo de vegetais tem muito a ver com os descendentes de japoneses, que trabalharam nesse cultivo no Brasil.

A culinária japonesa é, de fato, mais leve?
A comida está mais pesada. Se os japoneses vivem 90 ou cem anos, tenho certeza de que a nova geração vai morrer com uns 80. Hoje é mais fácil e mais barato comer bife com batata do que a verdadeira comida japonesa, cada vez mais cara.

Como estrangeiros avaliam pratos tradicionais, como natto e ika shiokara?
O japonês identifica esses pratos como os mais difíceis para os estrangeiros entenderem. Dizem que, se você comeu e gostou, é porque é um verdadeiro apreciador da cozinha japonesa.
No Japão, come-se natto de manhã. Dá pra sentir seu cheiro forte no metrô. Você tem que superar o cheiro, como acontece com alguns queijos, para apreciar o natto, que é dez vezes mais fácil de digerir do que o feijão.

Qual é a origem dele?
O japonês sempre prezou muito a fermentação, pois sabe que os aminoácidos da fermentação ajudam a combater bactérias ruins e auxiliam na digestão.
O natto é uma invenção dos japoneses para contornar a falta de carne e fazer da proteína vegetal um alimento. Antigamente, carnes como kobe beef só eram consumidas pelos senhores feudais. Os bois eram preservados para arar a lavoura. Se todo mundo comesse carne, não haveria plantação de arroz.
Hoje em dia, comer um superarroz às vezes sai mais caro do que comer um foie gras, que vem congelado.

E o ika shiokara?
É um aperitivo para acompanhar o saquê, também usado para dar gosto ao arroz. É um fermentado forte feito com as tripas da lula para conservá-la.
Quando há uma grande pesca, muitas vezes os pescadores fazem o "shiokara" dentro do próprio barco: usam a lula, as entranhas, o saquê e o sal e deixam fermentar por alguns dias.
É algo consumido em poucas quantidades. Se você pede num "izakaya" [espécie popular de bar com aperitivos] vem, em geral, apenas uma colher de sopa.


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